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O Grande Teatro Nacional da China, em Pequim, chamado de “Ovo Gigante” pelo reflexo do edifício no espelho d'água
Após vários anos de planejamento, a construção da Estação Ferroviária de Tianjin Ocidental, no nordeste da China, foi iniciada no começo de 2009. Contando com os esforços de milhares de trabalhadores, as amplas instalações, de 179 mil metros quadrados, foram finalizadas no fim de 2011.
A construção de um edifício tão grande a uma velocidade tão rápida seria uma empreitada difícil de ser coordenada no Ocidente, mas na China a situação é rotineira.
O alemão Sebastian Linack, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto, observa que um dos aspectos que possibilitaram a obra foi o tamanho da mão de obra, que provavelmente seria um impedimento, em razão do seu custo, nos países considerados “desenvolvidos”. Ele também observou que a experiência chinesa na construção de projetos gigantescos nos anos recentes contribuiu para que, agora, o país tenha a especialização necessária para lidar com projetos de tal magnitude.
Este é um dos efeitos que o boom da construção teve sobre a arquitetura da China. Mas ainda que este boom tenha propiciado a criação de novas tecnologias e métodos de construção, ele também deu origem a monumentos de imitação barata, vizinhanças fabricadas em série, arranha-céus imensos, escândalos, corrupção e alguns “prédios esquisitos”.
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O Sky City tinha como objetivo ser o edifício mais alto do mundo. Após ser pré-fabricado no canteiro de obras em Changsha, ele deveria ser montado em apenas 90 dias, em 2013. Oficialmente, o projeto ainda está em aberto. Mas, depois de um mês de construção no local em 2013, a obra foi interrompida, já que autoridades locais decidiram que o projeto precisava de autorizações adicionais.
O Sky City parece ser mais um entre os muitos projetos que fracassaram diante da abordagem chinesa da construção civil. Mas foi esta mesma abordagem que trouxe fama ao Broad Group e a seu fundador Zhang Yue, dando-lhes a oportunidade de revolucionar a construção e a arquitetura no país. O foco primário da empresa são sistemas de ar condicionado que utilizam gás natural e calor residual e que se mostraram populares na China graças às restrições da rede elétrica – outra consequência do boom da construção civil.
Yue e sua empresa defendem publicamente o estabelecimento de uma regulamentação ambiental mais rigorosa, e esta convicção deu origem à sua empresa subsidiária, focada em edifícios pré-fabricados construídos a um ritmo impressionante. Em 2010, eles construíram o Ark Hotel, de 15 andares, também em Changsha, em apenas seis dias. Supostamente, a base e a fundação do edifício já haviam sido instaladas. Ainda assim, o feito é impressionante, especialmente se levarmos em conta o fato de que apenas uma parcela dos materiais usados em edifícios padrão foi utilizada e o resultado final, segundo a empresa, é resistente a terremotos.
Levando-se em conta a rapidez da urbanização na China, que segue a um ritmo ainda muito acelerado para que reguladores e arquitetos consigam acompanhar, métodos de construção rápida de alta qualidade são certamente necessários.
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O Ark Hotel, em Changsha, edifício de 15 andares construído em seis dias
John Van de Water, um arquiteto holandês com vasta experiência na China, descreve a abordagem chinesa da arquitetura usando a “regra do 10x10x10”. “Ela é 10 vezes mais rápida, 10 vezes mais barata e 10 vezes maior. É muito difícil para os arquitetos ocidentais entenderem isso”. Ele diz que a arquitetura na China “exige uma abordagem diferente” e que é preciso “projetar com estratégia”.
O boom da construção no país afetou várias cidades de diferentes maneiras. “Algumas das cidades do primeiro momento de explosão no setor, como Pequim e Xangai, já tinham sua própria identidade arquitetônica. Mas as cidades da segunda e da terceira levas ainda estão em busca dessa identidade, e às vezes seus projetos acabam parecendo muito superficiais. Seu processo de modernização se espelhou menos na tradição chinesa e mais em padrões ocidentais”, diz Van de Water.
Às vezes, estas ideias ocidentais surgem de maneira muito literal. Bairros inteiros foram copiados de projetos ocidentais. Nas imediações de Huizhou, no sudeste da China, há um vilarejo austríaco. Há uma “britânica” Thames Town próxima a Xangai, e o país tem algumas Times Square, espelhadas na praça nova iorquina, com uma grande sendo projetada para Tianjin. Huaxi, um vilarejo na província de Jiangsu que enriqueceu muito nas últimas décadas, tem sua própria versão do Arco do Triunfo, além de uma versão mais modesta da Ópera de Sydney e de sua própria Praça da Paz Celestial.
Talvez o exemplo mais célebre por sua opulência seja o edifício de 15 milhões de dólares do Grupo Farmacêutico Harbin, construído tanto por dentro quanto por fora para ser uma réplica do palácio de Versalhes, incluindo as paredes talhadas e laqueadas a ouro, os lustres, as colunas de mármore e a mobília de mogno. Aparentemente ignorando tanto a opinião pública quanto a ironia da situação, a empresa afirmou ter construído o edifício para promover a cultura e demonstrar “responsabilidade social”.
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“Calças largas”, icônico edifício que abriga a sede da CCTV em Pequim
Chamada de “calças largas” por alguns, a sede da CCTV (Central de Televisão da China), em Pequim, com 234 metros de altura, foi projetada pelo holandês Rem Koolhaas, arquiteto ganhador do Prêmio Pritzker. Foi este o edifício que atraiu a atenção de internautas chineses e comentadores midiáticos quando o presidente Xi Jinping disse, em outubro de 2014, durante uma audiência, que a China não deveria investir em “arquitetura esquisita”. Sua única diretriz foi a de que a arquitetura deveria “ser como a luz do sol no céu azul e a brisa de primavera, que inspiram mentes, acalentam corações, cultivam o gosto e nos livram de estilos indesejáveis”.
As diretrizes modernas incluem uma exigência estabelecida no ano 2000 de que os edifícios de Pequim sejam “predominantemente cinzas”, bem como várias tentativas de frear a construção de edifícios governamentais elaborados e limitar o desenvolvimento residencial. Mas isso se deu mais por razões políticas e econômicas, além da indignação recorrente pelos gastos excessivos.
Yan Shichao, diretor da Academia da Província de Guandong de Pesquisa sobre Edifícios, sugeriu recentemente que regras mais rigorosas estariam a caminho, mas disse que um edifício não seria considerado “esquisito” se não “consumisse materiais em excesso, fosse adequado ao clima e à cultural locais e cumprisse as funções necessárias”. E esteja certo de que a China tem muitos edifícios “esquisitos”.
Às vezes, isso ocorre porque as regras não são seguidas pelas construtoras. Em outros momentos, as próprias autoridades, em sua busca por grandeza, encomendam projetos bizarros ou distorcem projetos simples até o ponto em que não podem mais ser reconhecidos. São frequentemente mencionados como exemplos de “esquisitice” o estádio Ninho de Pássaro de Pequim; o Grande Teatro Nacional, conhecido como “Ovo Gigante”; e o projeto Galaxy Soho.
No entanto, estes contam com muitos apoiadores, o que pouco provavelmente é o caso de projetos como o Hotel Tianzi, na província de Hebei, uma representação colorida de três deuses que incorpora suas estátuas sorridentes no design. Representações de objetos são um tema recorrente, com a empresa do setor de bebidas alcoólicas Wuliangye tendo criado uma fábrica e centro de visitas no formato de uma garrafa de baijiu, uma aguardente popular no país. Da mesma forma, o museu do chá de Guizhou tem o formato de um bule. Designs mais abstratos podem ser encontrados, por exemplo, no círculo de Guangzhou, edifício circular com um buraco de cinquenta metros no centro.
Suzhou tem um edifício que supostamente se parece ainda mais com um par de calças do que a tão criticada sede da CCTV em Pequim, o seu recém-finalizado Portão para o Oriente, que tem 308 metros. Fushun, em Liaoning, tem um anel gigante como ponto de referência, que é aceso à noite. A mansão Fang Yuan em Shenyang tem o formato de uma antiga moeda chinesa em vidro. A construção do arranha-céu do Diário do Povo em Pequim foi alvo de zombaria na internet quando se percebeu que o seu formato era o de um gigantesco pênis dourado. Quando a construção foi finalizada, no entanto, percebeu-se que a forma era um pouco menos sugestiva do que parecia.
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O Estádio Nacional, conhecido como Ninho de Pássaro, foi construído para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008
Se a próxima geração de edifícios chineses continuará sendo excêntrica dependerá, em grande parte, da próxima geração de arquitetos.
A Escola de Arquitetura da Universidade de Tsinghua parece, vista de fora, um edifício bastante desinteressante. Ela está coberta pelos pequenos azulejos brancos que compõem vários dos edifícios acadêmicos mais antigos da capital e, assim como acontece com a maior parte dos outros prédios da cidade, a fachada está se tornando acinzentada e as extremidades dos azulejos adquiriram um tom marrom. Mas, erguendo-se a partir da cavidade aberta na parte de trás do edifício, há uma estrutura preta, uma fileira de bambus que se insinua a partir das plataformas de madeira que cercam o edifício.
“Foi projetada por Li Xiaodong, um dos professores da faculdade”, observa o holandês Martijn de Geus, sorrindo. Professor da universidade e arquiteto, de Geus viu muitos arquitetos estrangeiros virem e irem nos últimos cinco anos que passou na China, e também deu início à formação de muitos jovens arquitetos chineses.
“Há cinco anos, arquitetos estrangeiros podiam vir para a China e experimentar coisas novas, assumir projetos pioneiros”, diz. “Mas, hoje em dia, a China não precisa mais de nós para isso”. Ele rapidamente esclarece a questão, dizendo que ainda há espaço para arquitetos estrangeiros, mas que o papel deles mudou. “Hoje, é muito mais uma questão de troca de experiências”, afirma, dizendo ainda que os arquitetos agora vão para áreas de nicho, como aeroportos, citando o caso dos arquitetos franceses envolvidos na construção de um aeroporto na zona sul de Pequim. “Eles precisam estabelecer parcerias com empresas chinesas e dispor de um conhecimento de especialista”.
“Hoje em dia, os arquitetos estrangeiros tentam causar uma impressão forte”, diz Samy Schneider, planejador alemão que trabalha em Pequim. Ele diz também que, com o aumento da especialização no campo da arquitetura, os arquitetos, consultores e planejadores estrangeiros podem perceber um aumento das oportunidades em certas áreas. “No passado, eu acho que os arquitetos estrangeiros eram trazidos por suas excelentes ideias. Acho que os detalhes, que são o desdobramento disto, serão parte de nosso futuro trabalho”.
O colega chinês de Schneider, Zhang Yaming, educado no exterior, tem uma opinião similar. “Os governos locais chineses estão cada vez mais interessados em arquitetos estrangeiros. Se você tem alguma especialidade, como em eficiência energética, por exemplo, isto acaba sendo interessante”.
Com a competitividade aquecida, mais e mais arquitetos têm em vista a indústria de construção ainda em boom – particularmente nas cidades da segunda leva, onde a aparência uniforme dos projetos de edifícios altos significa que os arquitetos podem projetar tendo com base bairros inteiros, e não edifícios isolados. Mas eles precisarão competir com a próxima geração de arquitetos chineses, que está cada vez mais exposta às ideias arquitetônicas estrangeiras, como foi o caso quando Koolhaas se dirigiu à audiência no campus de Tsinghua para explicar seu “edifício esquisito”. Ele também disse à revista Dezeen que acreditava que a sede da CCTV “articulava a posição e situação atuais da China”.
Portanto, se a era dos grandes monumentos socialistas passou, a nova safra de arquitetos chineses é que decidirá a nova paisagem das metrópoles da China.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no site The World of Chinese.