Chuck Simmins / Flickr
Moradora da cidade de Banda Aceh em meio aos detritos dias após o tsunami, em janeiro de 2005
Matéria original publicada na Yale Environment 360, revista online de opinião, análise, relatórios e debate sobre questões ambientais.
No dia em que o tsunami do Oceano Índico atingiu seu povoado, há uma década, o pescador Hajamuddin estava no mar. Era o lugar mais seguro. Quando ele voltou para a comunidade pesqueira de Gle Jong, na costa leste da Sumatra, ele a encontrou debaixo de três metros de água. O que tinha sido o lar de 800 pessoas era agora uma nova baía. “Toda a minha família pereceu”, conta Hajamuddin.
Apenas sete pessoas sobreviveram à onda de dez metros de altura que avançou sobre Gle Jong naquela manhã. Hoje, dez anos depois do desastre, a vila está se recuperando. Uma combinação de repatriados, novos residentes e uma explosão na taxa de natalidade fez com que a população some hoje 130 pessoas. Eles vivem em casas construídas recentemente, afastadas da costa.
É uma história de recuperação humana digna de nota. Mas um olhar mais atento revela outra coisa notável. Alguns metros para dentro da nova linha costeira pós-tsunami, na terra alagada pela onda assassina, os sobreviventes da comunidade plantaram 70 mil árvores de mangue. As árvores crescem bem e os residentes as veem como proteção no caso de uma futura invasão do oceano. “Quando a inundação voltarem, os manguezais podem nos salvar”, diz Hajamuddin.
A linha costeira de Aceh, a província mais ao norte da ilha indonésia de Sumatra, foi a que mais sofreu com o tsunami no dia 26 de dezembro de 2004. As águas tornaram-se vermelhas do sangue dos aproximadamente 167 mil indonésios mortos, quase todos de Aceh. Vilas inteiras desapareceram. Mas, agora, a cor que os sobreviventes querem mostrar é o verde. Um projeto de microcrédito financiado pela organização Oxfam Novib e realizado com parceiros locais pela ONG Wetlands International tem ajudado os moradores a plantarem os manguezais e outras árvores. Elas vão revitalizar a natureza, melhorar a vida local e, talvez o mais importante, protegê-los contra ciclones, erosão costeira e quaisquer futuras ondas devastadoras.
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Os cinco milhões de euros providos pelo projeto Green Coast às pessoas de Gle Jong deram-nas algo em que acreditar para o futuro. As árvores estão trazendo a natureza de volta. Pássaros se reúnem nas novas florestas. As lagoas ao redor dos manguezais têm se tornado áreas de alimentação para camarões e caranguejos. “Pensamos que tínhamos perdido as tartarugas verdes das praias, mas agora algumas estão retornando”, disse Hajamuddin.
O tsunami de 2004 foi causado por um terremoto no leito marinho do Oceano Índico, afastado da costa oeste de Sumatra, a ilha mais a oeste da Indonésia. O tremor criou uma série de ondas gigantes que se chocaram com a costa por milhares de quilômetros. Das 230 mil pessoas supostamente mortas, quase três quartos estavam em Aceh, a maior parte no litoral ocidental.
À medida em que a maré se dissipava, cerca de 60 mil hectares de campos de arroz ficaram inundados com água salgada e soterrados de areia. Em muitos lugares, a água nunca mais recuou. Ao longo da maior parte do lado oeste de Aceh, o terremoto causou o afundamento das terras, o que avançou a nova linha costeira em 200 a 400 metros em relação à anterior. Arrozais, coqueirais, manguezais e vilas inteiras foram para o fundo do mar.
Um programa internacional de reabilitação veio depois do desastre. A Wetlands International estava entre as agências de apoio estrangeiras a focarem na recuperação dos ecossistemas costeiros. O primeiro objetivo era trazer de volta os velhos manguezais.
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Os manguezais crescem em solos parcialmente inundados por milhares de quilômetros das linhas costeiras tropicais de todo o mundo. Eles alimentam peixes e protegem contra a erosão costeira ao acumularem sedimento e absorverem a energia das ondas e dos ventos. Também armazenam carbono e despoluem as águas. Mas, ainda assim, os manguezais de todo o mundo estão sendo destruídos numa taxa de 1% ao ano, muitas vezes mais rápido do que a taxa de desmatamento em terra. A linha costeira de Aceh não é exceção. A razão principal, assim como nos demais lugares, tem sido criar espaço nas zonas entre marés para lucrativas piscinas de carcinicultura, a criação de camarões.
A maioria dos mangues que restaram nas margens de Aceh foram destruídos ou seriamente danificados pelo tsunami de 2004. Estima-se que 30 mil hectares de mangues sucumbiram, mas, no processo, capturaram e dissiparam parte da energia do tsunami, salvando vidas ao dar proteção aos que viviam atrás deles. Os que não tinham mangues foram os mais atingidos.
Por isso a recuperação ecológica tornou-se prioridade. Mas os primeiros esforços fracassaram mais de uma vez, com poucas plantas sobrevivendo, de acordo com um estudo de 2006 feito pelo diretor indonésio da Wetland International, Nyoman Suryadiputra.
Uma das causas foi o fato de os moradores terem sido pagos apenas para plantarem as mudas, e não para cuidarem delas depois. Muitas sucumbiram rapidamente às ondas ou aos javalis, que desceram das montanhas para a terra despovoada depois do tsunami. Outras mudas nem tiveram chance, pois foram plantadas nas grandes quantidades de areia depositadas pelo tsunami na orla anteriormente enlameada. O mangue precisa de lama. Plantadas na areia, mesmo que em lugares onde antes cresciam, as mudas rapidamente morrem. Então o projeto se concentrou em plantar com mais cuidado nos lugares onde os manguezais se desenvolveriam e em providenciar incentivos para as comunidades protegerem as árvores.
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Fred Pearce / Yale Environment 360
Mangues recém-plantados na vila de Lham Ujong na província de Aceh
Como convenceram as pessoas que tentavam reconstruir suas vidas nas comunidades devastadas a gastar tempo plantando e cuidando de árvores? A resposta foi uma versão de microcrédito chamada de Bio-rights (ou “bio-direitos”), desenvolvida por Suryadiputra. Ele ofereceu um acordo aos moradores locais: se eles formassem grupos e plantassem, ele lhes daria crédito sem fiador para reconstruírem suas vidas economicamente. Os moradores usaram o crédito para comprar novas redes de pesca, criar programas de criação de cabra e gado, plantar pomares e até mesmo abrir cafeterias nas vilas. Além disso, ele prometeu que, se os grupos cuidassem das árvores e 75% ou mais delas sobrevivessem por pelo menos dois anos, então amortizaria as dívidas.
O acordo se mostrou popular. Suryadiputra acabou realizando 70 projetos nas vilas. Ao todo, as comunidades plantaram quase dois milhões de mudas em mil hectares de costa, a maioria próxima das vilas. A maior parte sobreviveu. Em apenas alguns casos os moradores tiveram de pagar seu crédito de volta. O resultado, cinco anos depois do término do projeto, é a existência de empreendedores locais orgulhosos e extensivas áreas de litoral reflorestado protegendo as vilas.
Os manguezais foram as árvores escolhidas para o replantio. Mas onde a areia agora cobre o litoral, o projeto escolheu as árvores do tipo casuarina, um pinheiro litorâneo comum na região e que cresce rapidamente. Em Gampong Baro, uma comunidade pesqueira na costa setentrional de Aceh, um grupo de 50 habitantes plantou 50 mil casuarinas no banco de areia formado pelo tsunami. Em alguns lugares, estes pinheiros cresceram mais de 20 metros em apenas cinco anos. Isto, como os locais gostam de afirmar, é mais alto do que a onda do tsunami. Nos terrenos lamacentos atrás das novas dunas de areia, plantaram mangues.
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Em muitos trechos da costa de Aceh, a ideia de plantar manguezais vai contra a antiga prática de converter os mangues em aquicultura. Em grandes pedaços do litoral, décadas antes do tsunami, os mangues foram cortados e piscinas escavadas para cultivar camarões. Os camarões não duraram por causa da propagação da doença da Mancha Branca, causada por um vírus. Porém, a maioria dos produtores logo abasteceu as piscinas com o peixe-leite (chanos chanos).
Depois do tsunami, agências humanitárias correram para reparar as piscinas, renovando os diques e os canais de água, e retirando a areia. Mas a Wetlands International tem encorajado seus donos a adotarem um cenário hibrido com manguezais plantados nos diques e nas piscinas. A ideia é proteger a linha costeira enquanto a produtividade econômica das piscinas é mantida e até mesmo ampliada.
Pessoas em várias comunidades me contaram que funciona. Em Krueng Tunong, onde mais de mil corpos foram encontrados depois do tsunami, conheci Wahab, um morador que dirigiu o programa de replantio em cerca de 20 hectares de piscinas da sua vila. “Temos mais peixes agora que há manguezais”, ele me disse. “Eles crescem mais rápido e se reproduzem mais do que quando as piscinas estavam desprotegidas. Eu vejo os filhotes esconderem-se nas raízes do mangue. As raízes os ajudam a evitar os predadores. Também temos mais caranguejos.”
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Mas o ponto principal é se estas plantações poderão salvar vidas em futuros tsunamis ou grandes ciclones. Há poucas evidências de que mangues podem proteger, e muitas são anedóticas. Mas existem.
Suryadiputra trabalhou num estudo sobre um único trecho litorâneo no sudeste da Índia atingido pelo tsunami em 2004. A pequena costa tinha um perfil de praia bem homogêneo, o que tornou possível realizar comparações significativas entre o impacto da onda em trechos de praia com e sem manguezais. O estudo, publicado na revista Science em 2005, concluiu que as áreas com cinturões de proteção de mangues ou casuarinas “foram significativamente menos danificados do que as demais áreas”. Num trecho, duas vilas costeiras “foram completamente destruídas”, enquanto outras três, que ficavam atrás de mangues, “não sofreram destruição”.
Daniel Alongi, do Instituto Australiano de Ciência Marinha, em Townsville, Queensland, diz que estudos de modelagem preveem o mesmo resultado. Apenas 100 metros de mangues fechados já poderiam reduzir a energia destrutiva de um tsunami em 90%, concluiu. Isso poderia ter feito a diferença entre a vida e a morte para dezenas de milhares de pessoas em Aceh em 2004. Talvez faça, na próxima vez.
Tradução: Jéssica Grant