Em Argel, o Banco Al-Baraka é um dos poucos a oferecer ferramentas financeiras de acordo com as leis islâmicas
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Com as manchetes dos jornais egípcios assinalando o aumento do poder político dos islamistas, as páginas de economia estão cheias de informações sobre todos os tipos de produtos de investimento que aderem aos princípios islâmicos: a sharia (lei islâmica) bane tanto os juros, quanto a especulação.
A mídia egípcia ecoa as transformações sociais que ocorrem atualmente. Ikram El-Sayed, uma dona de casa de 62 anos, diz estar transferindo todas as suas economias para bancos islâmicos, após passar os últimos 15 anos investindo dinheiro, contra a sua vontade, em certificados de investimento com juros. Ela se sente bem ao fazer essa mudança e culpa, pelos fracassos recentes em sua vida, os investimentos que considera proibidos pela religião. “O rendimento que recebo a cada seis meses pelos certificados não pode ser abençoado, já que a maior parte dele foi gasta, nos últimos anos, com o tratamento contra o câncer de meu falecido marido e com o negócio falido de meu único filho.”
Bancos e outras instituições financeiras já começaram a sentir o novo ritmo do mercado. O Egito, atualmente, tem duas instituições completamente islâmicas: o Banco Islâmico Faisal e o Banco El-Baraka. Outros estão tentando obter licenças para abrir filiais para transações islâmicas. Entre eles, o Banco Unido Ahli, o Banco Audi e o Banco de Alexandria. Além disso, o Banco Central do Egito está planejando inaugurar uma nova unidade, especializada em monitorar os bancos islâmicos. Segundo participantes de uma conferência recente em finanças islâmicas, no Egito, a participação de mercado dos bancos islâmicos aumentará dos atuais 4% para 20% de todo o setor.
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Finanças islâmicas
Em fevereiro, a Autoridade de Supervisão Financeira Egípcia alterou a legislação de mercado de capitais para acomodar a emissão das obrigações islâmicas, ou sukuk. Os fundos de investimento islâmicos atingiram o máximo rendimento desde o começo do ano, excedendo 30% em alguns casos. Há também um intenso interesse no Egito pelos seguros islâmicos, ou takaful, que atualmente compõem 5% do mercado de seguros do país.
Além disso, as finanças islâmicas têm conquistado muita popularidade no mundo todo desde a crise financeira de 2008. Essas transações estavam baseadas em derivativos e securitização, ambos banidos pela lei islâmica, e custaram ao mundo todo bilhões de dólares. Os especialistas acreditam que um fator chave na expansão das finanças islâmicas é o fato de que elas podem atrair economias de milhões de muçulmanos no mundo todo.
O especialista em investimentos Hani Tawfiq diz que a nova tendência mostra que o mercado está flertando com os islamistas que agora estão no poder, tentando oferecer produtos que possam satisfazê-los. Contudo, esse interesse será dissipado quando o cálculo de lucros e perdas provar que o mercado ainda carece de infraestrutura.
Procurar investimentos halal, ou seja, compatíveis com a lei islâmica, na bolsa de valores, por exemplo, é extremamente difícil, de acordo com Tawfiq. Os investidores têm de excluir as empresas que trabalham em setores que não são aprovados pelo Islã, como tabaco, álcool e jogos. Além disso, alguns fundos islâmicos investem apenas em empresas com no máximo 30% de seus bens financiados por dívidas com juros. “Quase não há boas empresas nas quais investir, depois de tantos filtros”, diz o especialista.
Opções limitadas
Por muitos anos, os egípcios mantiveram reservas em relação às finanças islâmicas, depois que empresas como a Al-Rayan e a Al-Saad tiraram milhões de libras de egípcios por meio de esquemas fraudulentos, em meados dos anos 1980.
Esse é um dos motivos pelos quais as finanças islâmicas experimentaram um crescimento muito lento no Egito, a despeito do fato de este ter sido um dos primeiros países a adotá-las. O sistema bancário islâmico ainda não é um caso de sucesso real. De acordo com May El-Haggar, chefe de pesquisa e analista bancária no Al-Naeem Brokerage, a demanda por produtos bancários islâmicos ainda é limitada. Tudo isso nos conduz a clientes que têm como principal objetivo conseguir empréstimos livres de juros para comprar um carro ou para obter um cartão de crédito halal. Eles podem acabar se desapontando com as opções limitadas disponíveis para esses serviços. Na verdade, os serviços oferecidos pelos bancos egípcios, islâmicos ou não, ainda são muito pouco desenvolvidos.
El Haggar disse ainda ter falado com representantes de vários bancos que revelaram não considerar a possibilidade de se candidatar a uma licença para oferecer produtos sharia. A viabilidade econômica desses produtos, no Egito atual, dizem, não é particularmente alta.
Tradução por Henrique Mendes
* Texto publicado originalmente no jornal semanal egípcio Al-Ahram Weekly
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