William Brawley
“Isso te dá uma visão muito mais sombria da humanidade”, diz Rob, que trabalhou como moderador no YouTube, nos EUA
Quando você navega pelo Facebook ou pelo Twitter, você espera ver fotos das férias dos amigos, posts de “parabéns pelo aniversário” ou links para o Buzzfeed. O que você não espera ver são imagens grotescas de pornografia infantil ou vídeos de pessoas sendo decapitadas. Embora muita gente não saiba, uma vasta força de trabalho formada por moderadores de conteúdo trabalha dia e noite para manter as redes sociais livres deste tipo de material ofensivo.
Em reportagem publicada na revista norte-americana Wired, o jornalista Adrian Chen viajou para as Filipinas para relatar as histórias das pessoas responsáveis por manter a experiência dos usuários de Internet devidamente imaculada. Há mais de 100.000 destes trabalhadores, dos quais muitos atuam em áreas urbanas degradadas na periferia de Manila, capital filipina. Os salários variam de 300 a 500 dólares por mês [cerca de 750 e 1.200 reais], e as tarefas que eles desempenham são extenuantes. Os moderadores permanecem diante do computador por horas a fio, fazendo a triagem de um fluxo constantemente atualizado de conteúdo sinalizado como impróprio: solicitações sexuais, fotos de pênis, violentas brigas de rua, atentados suicidas. Eles repetem este ciclo todos os dias, esforçando-se para lidar com uma quantidade massacrante de conteúdo ofensivo que nunca para de chegar.
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A exposição a este lado abjeto da humanidade por oito horas diárias tem seu preço. Os empregados descrevem a luta contra a insônia, o abuso de drogas, a depressão e o transtorno de estresse pós-traumático. Embora algumas empresas ofereçam aconselhamento gratuito para os funcionários, muitas não o fazem, e os moderadores são deixados por conta própria para curar suas feridas psicológicas. Maria, que trabalha como encarregada de garantia de qualidade para uma prestadora de serviços, revelou suas estratégias para lidar com o impacto das imagens que vê todos os dias. “Eu fico realmente abalada com violência contra crianças”, disse ela. “Tenho que parar por um momento e relaxar, talvez ir até o Starbucks e tomar um café.” Ela ri ao se dar conta da absurda justaposição de crime sexual e café com leite de preço exagerado.
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MIKI Yoshihito
“Eu fico realmente abalada com violência contra crianças”, diz Maria, moderadora nas Filipinas
Embora o grosso do serviço seja realizado fora dos Estados Unidos, o conteúdo mais especializado é filtrado lá mesmo, em geral por universitários recém-formados fazendo bicos. Os moderadores com base nos EUA ganham muito mais do que os de outros países, e um “americano recém-contratado de uma grande empresa de tecnologia nos EUA pode ganhar mais em uma hora do que um moderador veterano filipino consegue em um dia”. Mas os danos psicológicos são os mesmos, e os jovens recém-formados são igualmente assombrados pelas imagens que passam por suas telas.
Rob, que trabalhou como moderador no YouTube, descreve o trabalho como um exercício em dissonância cognitiva. Aqueles que o desempenham se tornam insensíveis às imagens grotescas que processam, de tal modo que não se permitem reconhecer a carga emocional e psicológica que acabam absorvendo. Rob ganhou peso e passou a beber para aliviar o estresse. “Quando alguém postava vídeos de abusos contra animais, na maioria das vezes se tratava da própria pessoa que os cometeu, e que tinha orgulho do que fez. E ver isso através dos olhos de alguém que estava orgulhoso da atrocidade que tinha cometido, por alguma razão, machuca de um modo muito mais duro. Isso te dá uma visão muito mais sombria da humanidade.”
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A remoção de conteúdo ofensivo é um meio pelo qual nossa experiência na Internet é organizada e polida sem o nosso conhecimento. Outra maneira é o monitoramento dos milhares de comentários que usuários postam nas redes sociais e publicações online. Qualquer pessoa que tenha passado um tempo na seção de comentários de qualquer site sabe que esta é, frequentemente, um antro de racismo, fanatismo, sexismo e xingamentos. Mas enquanto nós podemos fechar nossos laptops diante do que nos desagrada, os moderadores de comentários, como também os moderadores de conteúdo, têm de absorver o forte impacto da massa borbulhante de ódio e de ego humano em sua forma bruta que é a internet.
Como observaram artigos recentes na New Inquiry e na Jacobin, o maior volume da moderação de comentários está a cargo de mulheres jovens e mal remuneradas. Mesmo as pessoas que trabalham nestes sites raramente estão cientes do que é dito na seção de comentários; somente as universitárias recém-formadas que fazem esta limpeza testemunham toda a mordacidade dirigida aos autores, a outras pessoas que postam comentários e, com frequência, à própria publicação. No artigo da New Inquiry, o autor argumenta que “esta resiliência sistêmica depende de uma força de trabalho feminina e precariamente empregada. Elas são destacadas para sustentar a legitimidade de instituições que historicamente as excluíram e atualmente as exploram, liberando os poderosos para apresentar isso como um compromisso democrático”.
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A mesma observação pode ser aplicada aos moderadores de conteúdo que passam horas olhando fixamente para telas de computador em escritórios lúgubres a milhares de quilômetros de distância dos EUA, do outro lado do oceano. Como as empresas online se baseiam em uma força de trabalho invisível, silenciosa e mal paga para fazer o trabalho sujo do controle de danos, é muito fácil esquecer que estes guardiões existem. Sarah Roberts, especialista em estudos da mídia na Universidade de Ontário Ocidental, diz que tanto empresas como usuários de mídias sociais prefeririam acreditar nisso. Como ela diz, “isso se enquadra em nossa parca compreensão sobre a Internet e nossa visão da tecnologia como sendo de certo modo magicamente não humana”. Rob, Maria e os milhares de outros moderadores pelo planeta são provas vivas de que, ao contrário do que gostaríamos de acreditar, ela é demasiado humana.
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site AlterNet, portal norte-americano de mídia independente e alternativa.