Pela segunda vez na história do Mundial de Futebol, o Brasil é o país anfitrião do maior evento esportivo do planeta. Talvez a principal diferença entre o torneio de 1950 e o de 2014 esteja no alcance e na instantaneidade com que bilhões de pessoas acompanham os jogos, resultados e fatos relacionados à Copa.
Ao mesmo tempo em que o futebol e as Copas ganharam cada vez mais adeptos e torcedores, maior passou a ser a cobertura da mídia do evento que acontece a cada quatro anos. No caso do Brasil de 2014, são cerca de 20 mil jornalistas de todos os cantos do mundo relatando, fotografando e mostrando o que acontece no país.
A Samuel, agora em sua versão eletrônica, também dedica o período da Copa a trazer o que a mídia independente do Brasil e do mundo vem registrando sobre o antes, o durante e o depois do evento, seus participantes e espectadores. Textos e vídeos postados diariamente darão a medida dos diferentes olhares e observações que irão marcar o cotidiano dos 32 países representados no evento.
Veja todo o material do especial Samuel na Copa:
A intimidade dos brasileiros com a essência do futebol
Seleção australiana tem música oficial gravada por cantora pop
“Allez les bleus! Viva l'Algérie!”
Pikachu pega carona na seleção japonesa
Honduras: onde o futebol explica a sociedade
Um amor tão grande pela Itália
José Maria Silveira
A mística do álbum de figurinhas:para adultos e crianças, o jogo fica mais divertido com os cromos “difíceis”
A alegria de colar sua última figurinha e completar o álbum justifica tudo. A vergonha de conversar com um desconhecido, para descobrir se ele tem aquela figurinha de que tanto se precisa, os fins de semana passados na praça, em busca de colecionadores ou vendedores, e até mesmo as várias horas praticando bafo na sala de casa, para ganhar uma pilha de novas figurinhas no recreio do colégio. A troca de figurinhas não distingue gênero nem idade e, ainda que se jogue o ano todo, de qualquer maneira, pouco importando se estreiam filmes novos ou ocorrem outros eventos esportivos, a iminência da Copa do Mundo, que ocorre de quatro em quatro anos, potencializa esta loucura histórica pelos adesivinhos.
Em sintonia com a febre do Mundial, a editora italiana Panini lançou dois álbuns: um virtual, formato que já se mostrou exitoso na Copa do Mundo da África do Sul, e outro impresso.
Ainda que o álbum 2.0 ofereça aos usuários a possibilidade de colecionar figurinhas de 11 seleções dentre as 32 selecionadas para jogar no Mundial, mais alguns cromos especiais, nada se compara à adrenalina de ir até a banca de jornal comprar um pacote e abri-lo, na espectativa de que, dentre as cinco figurinhas ali presentes, esteja justamente uma daquelas que ainda nos faltam, ou se são todas repetidas, o que implica necessariamente em ter de trocá-las.
Para a versão em papel, são 639 cromos, dos quais 40 são metalizados e cada um custa cinco pesos (no Brasil, R$ 0,20), encher um álbum tem, portanto, como preço mínimo, 640 pesos (R$ 128).
Redes sociais
Ainda que os códigos se mantenham – com “late” significando ainda “la tengo” [já tenho] e “nola”, o contrário – e se continuem trocando pilhas de figurinhas por um único cromo, hoje as redes sociais são o espaço de troca por excelência, e já não existe o prêmio de uma bola ou um boneco por álbum completado. A única recompensa é a satisfação pessoal e a admiração dos amigos.
Para os menores, é fácil: o pátio do colégio funciona todo ano como espaço privilegiado para troca de figurinhas. No entanto, como a paixão não distingue idades, em 2014 as redes sociais se transformaram no melhor canal para a realização das trocas. Um exemplo é o grupo “Coleccionistas de figuritas del Mundial” [“Colecionadores de figurinhas do Mundial”], que tem 580 membros e onde todos os integrantes publicam diariamente aquelas de que precisam e quais têm repetidas. Além disso, organizam encontros semanais para realizar as transações.
Daniel Bissú, de 44 anos, é um dos integrantes. Ele é educador e professor de educação física e, assim como muitos de seus colegas, faz trocas com seus alunos. “Tenho um filho de dois anos e meio, mas eu as coleciono para mim mesmo. Inclusive, cuido tão bem do álbum que, para que o meu filho participe da diversão, eu colo a primeira parte da figurinha e ele apenas termina de colar, para que fique tudo alinhado. No total, comprei cinco caixas de 25 pacotes, além de alguns pacotes soltos. Há lugares onde elas são vendidas individualmente e, inclusive, a Panini tem o serviço ‘álbum cheio’, para que se possa coprar aquelas que ainda faltam, mas para mim a melhor parte é a troca. Faz duas semanas que preenchi um álbum, mas minha mãe já me deu outro, de modo que já comecei a preenchê-lo também”, conta Bissú, que lamenta apenas o fato de que não existam mais prêmios para quem termina o álbum: “Poderiam pelo menos te dar um bonequinho do mascote do Mundial”.
O serviço “álbum cheio”, ao qual se refere Bissú, é uma alternativa que a Panini dá aos que estão com dificuldades de completar o álbum. Ainda que seja mais eficaz do que comprar pacotes e esperar até que venha justamente aquela que lhe falta, há quem diga que desta forma a brincadeira perde toda a graça e que preencher o álbum assim é um “triunfo desleal”.
Reprodução Fifa
A versão 2.0 do álbum da Panini não desbancou a versão impressa que segue com milhões de fãs pelo mundo
Figurinhas difíceis
Mas o negócio não é apenas da empresa italiana. José María Pena abriu, em agosto de 2013, uma loja em uma galeria localizada no número 3.300 da Avenida Corrientes, onde são vendidas desde as figurinhas soltas até o álbum vazio, com as 630 figurinhas para serem coladas. “Compramos da distribuidora os pacotes fechados e vendemos tanto as figurinhas soltas, como combos com os pacotes fechados”, conta Pena. No total, ele comprou da Panini 10 mil pacotes e, tendo em vista o sucesso de vendas, está comprando novamente a mesma quantidade. “Como a distribuidora não vende figurinhas soltas, nós nos juntamos com outros colecionadores para trocá-las, assim todos temos um bom estoque para oferecer”.
Um dos grandes preconceitos em torno da questão é o de que o futebol – e as figurinhas do mundial – são um negócio para homens. Hoje em dia, esta afirmação já é um mito. Além disso, com a chegada de jornalistas esportivas aos principais programas sobre futebol e o crescimento no número de mulheres que praticam o esporte, é cada vez mais comum ver mulheres adeptas deste hobby.
Ana Vinacur, médica de 25 anos, preencheu o álbum antes do início da Copa. Ainda que já tivesse colecionado álbuns anteriormente, “desta vez surgiu a ideia de preencher o mesmo álbum com meu namorado e minha irmã.
Com várias pessoas participando, ficaria mais fácil – e mais barato – completar. Um dos motivos pelos quais começamos a colecionar era o fato de termos vários amigos que também as juntavam, Também descobri algum que ainda não conhecia: o hábito de trocar figurinhas nas praças. Foi assim que terminamos de preencher o álbum. Fomos duas vezes ao Parque Centenario e conseguimos as últimas 80. Agora também ficou mais fácil porque a Panini lançou um aplicativo em que você marca quais vai conseguindo e, assim, ele te diz automaticamente quais te faltam e quais você tem repetidas”.
Antes era comum escutar os colecionadores falar das “figurinhas difíceis”, aquelas em troca das quais se ofereciam várias outras. Alguns, inclusive, chegaram a duvidar da existência de certos cromos. Os mais fanáticos asseguram que o fato de que o álbum tivesse três ou quatro figurinhas difíceis fazia com que o jogo fosse mais divertido, já que hoje todas são publicadas na mesma proporção.
Reprodução
Imagem do tuíte do jogador costa-riquenho Joel Campbell: ”Abri 100 pacotes e não me encontrei”
Boa sorte
O atacante da seleção de Costa Rica, Joel Campbell, comprou cem pacotes em busca de sua própria figurinha. “Cem pacotes abertos e não me encontrei #BadLuckCampbell [#MáSorteCampbell]”, escreveu no Twitter, junto de uma foto com os pacotes abertos. A mensagem teve mais de sete mil respostas. Uma foi da conta oficial da Panini, dizendo: “Você está aí, nós prometemos! Diga se quiser que nós te enviemos a sua! Boa sorte com a coleção e com o campeonato”.
Ainda que Campbell não tenha se encontrado nos pacotes, tem mais sorte do que outros jogadores, como Robson de Souza, mais conhecido como Robinho, que tem que se conformar em estar apenas no álbum, já que não está na lista de convocados apresentada por Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção brasileira.
É certo: sempre houve figurinhas e, ainda que a tecnologia avance, a essência de como se completa um álbum continua intacta. Mas a cada quatro anos a paixão se renova. É uma boa forma de viver a prévia do Mundial.
Tradução Henrique Mendes
Texto originalmente publicado no site da revista Veintitres, publicação semanal argentina de atualidades.
NULL
NULL