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Como você se sentiria com uma motosserra em mãos prestes a derrubar uma árvore? Experiências em realidade virtual podem atuar no comportamento
Uma mulher espreita através de óculos incorporados a um grande capacete preto. Sons de floresta emanam de vários cantos da sala: um pássaro chilreia aqui, uma brisa sopra ali. Ela se movimenta lentamente pela sala. Na parede, imagens de uma floresta são projetadas de modo que observadores possam ter uma ideia do que ocorre; mas, em sua mente, esta universitária não está mais em uma sala pequena e lotada de um laboratório. Graças àquele capacete preto, ela caminha dentro da floresta.
Ela então recebe nas mãos um aparelho que tem a aparência e a vibração de uma motosserra, e pedem a ela que corte uma árvore. Enquanto completa a tarefa, ela sente a mesma resistência que poderia sentir se estivesse cortando uma árvore de verdade. Quando sai da floresta e volta ao mundo “real”, seu consumo de papel vai cair até 20%, e ela vai passar a preferir produtos feitos com papel reciclado. Estes efeitos vão continuar nas semanas seguintes, e pesquisadores levantam a hipótese de que será uma mudança razoavelmente permanente. Em comparação, estudantes que assistem a um vídeo sobre desmatamento ou leem um artigo sobre o assunto demonstrarão uma elevada conscientização sobre desperdício de papel ao longo do dia – mas até o fim de semana eles retornarão a seu comportamento costumeiro.
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O estudo sobre corte de árvores é um dos muitos desenvolvidos por pesquisadores ao longo dos últimos anos no Laboratório Virtual de Interação Humana da Universidade de Stanford, no estado norte-americano da Califórnia, em uma tentativa de avaliar até que ponto uma experiência simulada pode afetar o comportamento das pessoas. E é parte de um amplo conjunto de pesquisas que sugerem que experiências visuais podem funcionar como um catalisador para que grupos normalmente apáticos comecem a se preocupar com algumas questões e mudem suas atitudes, como com relação às mudanças climáticas, por exemplo.
Está provado que o contato com a natureza faz bem à saúde, mas a retribuição ou não deste benefício tende a depender do tipo de experiência que as pessoas tiveram na infância. Um estudo de 2006 sobre a relação entre experiências com a natureza e a defesa de causas ambientais constatou que, enquanto aqueles que tiveram uma infância “selvagem” – pontuada por caminhadas ou brincadeiras em meio ao mato e às árvores – eram mais propensos a serem ambientalistas quando adultos, os que tinham sido expostos à natureza “domesticada” – definida como visita a parques ou o cuidado de jardins – não eram. Considerando ser improvável que toda criança tenha uma experiência na “natureza selvagem”, pesquisadores estão em busca de outros meios de estimular o comportamento responsável para com o meio ambiente.
O recente trabalho com realidade virtual se fundamenta em mais de meio século de estudos indicando que a disposição de mudar de comportamento está diretamente correlacionada com o senso de controle. Mudanças climáticas, como muitas questões ambientais de grande dimensão, são um problema sobre o qual poucas pessoas sentem ter uma influência direta.
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Jeremy Bailenson, psicólogo e diretor do Laboratório de Stanford, considera que há um valor especial na realidade virtual relacionado às mudanças climáticas porque ela permite uma combinação de experiência real com possibilidades ilimitadas: o cérebro trata a experiência virtual como real, mas, ao mesmo tempo, sabe que qualquer coisa é possível na simulação. “Uma pessoa pode vivenciar visceralmente diferentes visões do futuro e experimentar as consequências do comportamento humano”, disse Bailenson.
Para isso, aparatos caros nem sempre são necessários. Uma equipe da Universidade de Harvard lançou recentemente o EcoMUVE, um ecossistema virtual de um lago baseado em computador. O ambiente foi criado para ensinar a estudantes processos biológicos básicos, como fotossíntese e decomposição. A equipe de Harvard também lançou o EcoMOBILE, um aplicativo de realidade aumentada que permite aos estudantes terem consigo a experiência do EcoMUVE. Por exemplo: professores levam crianças a um lago próximo e usam o EcoMOBILE para lhes mostrar como as plantas ao redor do lago estão transformando a luz do sol em energia e revelar o que a vida microscópica está fazendo sob a superfície da água.
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Um grupo de escolas secundárias do estado de Massachusetts também testou um aplicativo de aumento da realidade desenvolvido pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), chamado Time Lapse 2100. Com o aplicativo, usuários criam várias políticas que afetam o meio ambiente, e então o programa lhes mostra o que aconteceria se estas medidas fossem implementadas.
De volta ao laboratório de Stanford, pesquisadores também estão testando sua adaptação no mar. No jogo de realidade virtual Coral Reef (Recifes de Corais), jogadores se transformam em um grande pedaço de coral no litoral da Itália. Eles vivem a experiência de ser um coral em um oceano em processo cada vez mais pronunciado de acidificação. Ondas ao redor do recife são simuladas por vibrações no solo e sons do oceano. Um técnico de laboratório periodicamente toca nos participantes com uma vara, em movimentos sincronizados para coincidirem com o que eles veem enquanto uma rede de pesca toca o recife. Tem então início a acidificação. A vida marinha ao redor começa a morrer, o recife começa a perder a cor, como também o pedaço de coral no qual os participantes se haviam transformado.
Bailenson e sua equipe testaram a simulação com universitários. Eles acompanharam os participantes ao longo de semanas e os compararam com um grupo que tinha apenas visto um vídeo sobre como a acidificação dos oceanos afeta os recifes de corais. A equipe constatou que a experiência de realidade virtual catalisou uma mudança de atitude maior do que qualquer alteração desencadeada pelo vídeo.
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site da Conservation Magazine, revista norte-americana que se dedica à cobertura de questões ambientais.