Lorrie Graham / AusAID
Paciente em hospital de Hanói: situação da saúde no país pode piorar
Comunicados e declarações à imprensa mais do que proliferaram durante as conversações sobre a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês). Em janeiro foi realizada uma nova rodada de negociações secretas sobre o gigantesco acordo comercial que tem o potencial de causar impacto em mais de 800 milhões de pessoas na região da Ásia e do Pacífico. Além dos Estados Unidos, Chile, Nova Zelândia, Canadá, Peru, Austrália, México e Japão, quatro nações asiáticas – Malásia, Brunei, Singapura e Vietnã – negociam sua entrada no clube.
Os Estados Unidos esperavam que as negociações estivessem finalizadas em dezembro de 2013, mas pontos de resistência foram encontrados em temas como empresas estatais, impostos sobre atividade agrícola e direitos de propriedade intelectual. O último deles é um dos maiores problemas para o Vietnã. Pessoas que sofrem de doenças como Aids, câncer e hepatite B e C podem experimentar um aumento drástico nos preços dos medicamentos genéricos dos quais dependem, o que os colocaria fora do alcance da maioria da população, que não poderá pagar por eles.
“As regras sobre propriedade intelectual ainda não desempenham um papel significativo no aumento dos preços de medicamentos no Vietnã, no entanto a proposta dos Estados Unidos limitaria seriamente a capacidade de o país gerenciar os preços dos remédios no futuro, aumentando o encargo do governo e das famílias na compra de medicamentos”, disse Andy Baker, diretor da Oxfam Vietnã [organização internacional envolvida na busca de soluções para o problema da pobreza e da injustiça].
Proteção e exclusividade
Embora o Estado pague por alguns custos de tratamento, a maior parte das pessoas no Vietnã têm de pagar pelos medicamentos de que precisa. “Os remédios representam o gasto mais alto para os pacientes, compondo 58% do que despendem com cuidados de saúde. Por isso, um aumento nos preços dos remédios apresenta um impacto direto sobre os pacientes, muitos dos quais têm de ficar sem eles ou impor a si mesmos e a suas famílias enormes sacrifícios para pagar o tratamento”, complementou Baker.
As disposições exigidas pelos Estados Unidos são abrangentes e não oferecem, no momento, isenção sequer para os medicamentos essenciais no combate a doenças endêmicas. “Os termos do capítulo sobre propriedade intelectual aplicam-se a todas as doenças e medicamentos, de modo que todos eles contarão com proteção à propriedade intelectual mais pesada e abrangente”, disse Judit Rius Sanjuan, gerente da Campanha de Acesso do Médicos sem Fronteiras nos Estados Unidos. “Para uma certa classe de drogas, conhecidas como biológicas [medicamentos criados por processos biológicos, em vez de sintetizados quimicamente], os Estados Unidos exige uma exclusividade sem precedentes de 12 anos. Isto significa que as autoridades reguladoras terão de esperar 12 anos para aprovar versões genéricas a preços acessíveis das drogas biológicas.”
Com uma população de soropositivos estimada em 280 mil pessoas – número que pode ser subestimado, já que a frequência dos exames é baixa – e cerca de 20% da população sofrendo de hepatite B e 4% de hepatite C, sem mencionar o câncer, uma doença que está entre os cinco maiores problemas de saúde no país, o povo do Vietnã depende enormemente das provisões da Parceria Transpacífico.
Fora de alcance
Atualmente, os custos dos medicamentos antirretrovirais de primeira escolha são baixos (graças à ajuda dos Estados Unidos), estando em cerca de US$350 por ano para cada paciente. No entanto, 2,7% dos cidadãos vietnamitas dependem de medicamentos de segunda e terceira escolha, que são necessários à medida que a doença progride, muitos dos quais são patenteados.
“Os custos dos medicamentos contra AIDS são muitos mais altos, gerando uma sobrecarga econômica ao programa nacional de tratamento de aidéticos”, disse Baker. “Os custos dos medicamentos para o tratamento da AIDS patenteados, no Vietnã, chegam a ser de cinco a dez vezes maiores do que os dos medicamentos de primeira escolha. À medida que a doença progride e os pacientes precisam de medicamentos de segunda escolha, torna-se preocupante que a população não possa pagar por novos tratamentos.”
Os medicamentos para hepatite B custam cerca de US$ 450 ao ano por pessoa, o tratamento para carcinoma – efeito colateral comum – chega a US$1.880. Com hepatite B, os 48 dias de tratamento podem consumir todo o salário de 400 dias de trabalho de um funcionário público de médio escalão. Isto significa que as drogas para tratar duas doenças comuns estão, de fato, fora do alcance da maioria das pessoas.
Embora a porcentagem da população com hepatite C seja baixa, as taxas de risco de infecção têm aumentado. “O uso de drogas injetáveis é um grande problema social no Vietnã e está alimentando a epidemia de AIDS e hepatite C”, disse Brigitte Tenni, consultora técnica sênior do Instituto Nossal para Saúde Global, da Austrália. Além disso, embora a hepatite C seja tratável e exista um grande número de novos medicamentos eficazes contra a doença, medicamentos que podem ser tomados por um período de tempo menor e apresentam menos efeitos colaterais, seus preços podem se tornar insustentáveis. “Por serem patenteados, eles se tornaram excessivamente caros – chegando todo o tratamento a custar US$80 mil”, disse Tenni.
DFATD | MAECD
Reunião da Parceria Transpacífico em Brunei, 2013: representantes dos 12 países que participam do acordo
Invalidar o acordo
Para pessoas com câncer, uma situação já terrível pode se tornar muito pior. Em 2005, a ONU estimou que 8,2% das mortes no Vietnã podiam ser atribuídas ao câncer, com 1,5 milhões de novos casos por ano. Os medicamentos contra o câncer podem ser adquiridos apenas pela parcela mais rica da população, o que se reflete no fato de que eles compõem apenas 3% das vendas no mercado farmacêutico, de acordo com a Oxfam. Sob a legislação proposta pela Parceria Transpacífico, os medicamentos já existentes e futuramente desenvolvidos contra o câncer poderão se tornar ainda mais caros.
Baker sugere que o Vietnã e outros países pobres que venham a se unir à parceria defendam seus interesses. “Estes países deveriam confrontar os negociadores americanos e se recusar a aceitar suas táticas de negociação”, disse. “Estas táticas consistem em propor disposições que aumentam o poder do monopólio da indústria farmacêutica e esperar até o último momento possível nas negociações, quando todo o restante já foi acordado, para insistir que os parceiros dos Estados Unidos aceitem a posição americana quanto à legislação sobre propriedade intelectual ou arrisquem invalidar todo o acordo”.
“O Vietnã pode simplesmente dizer não à pressão dos Estados Unidos”, acrescentou Baker. “Ele certamente será acompanhado pelos outros parceiros na negociação.”
Tradução Maria Teresa Souza
*Texto originalmente publicado na revista South East Asia Globe, publicação impressa e on-line com foco em notícias e eventos da região do Sudeste Asiático
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