© Zoe Litaker
O casal na cerimônia de compromisso: celebração refletiu preocupações e valores dos noivos
Assim que decidimos com toda a certeza que, sim, queríamos nos casar, surgiu uma dúvida intimidadora: “Como seria um casamento não comercial, ambientalista e radical?” Além disso, seria possível fazer com que o casamento não apenas celebrasse nosso compromisso e unisse nossas famílias, como também fizesse alguma diferença para o mundo?
Para nós, um casal relativamente jovem que planeja ter filhos, a crise climática ocupa o primeiro plano dentre nossas preocupações. Também nos preocupamos com o efeito corrosivo de uma sociedade que transforma cada experiência em uma transação e que nos garante que é possível comprar seu caminho rumo ao amor e à felicidade com produtos naturais. E, finalmente, havia uma bagagem histórica com a qual lidar — tradições religiosas opressoras, a subordinação das mulheres, acesso desigual aos benefícios do casamento. Poderíamos criar uma cerimônia que refletisse nosso compromisso com essas questões, mas que mantivesse o caráter de celebração? Aqui estão algumas maneiras que encontramos de fazer exatamente isto:
Colocando convidados para trabalhar
Em primeiro lugar, percebemos que o casamento não deveria apresentar custo algum para os visitantes. Fazer com que membros de nossas famílias pagassem sua estadia em hotéis seria inviavelmente caro. Decidimos alugar alojamentos de baixo custo equipados com uma cozinha compartilhada, por meio de um website. Isto apresentava a vantagem de permitir que nossos convidados preparassem alimentos. Cozinhar juntos é uma atividade convidativa e acessível que permite que as pessoas conversem umas com as outras.
Já que fazer e compartilhar a comida era um símbolo tão poderoso para nós, representando a união de um grupo de pessoas que apoia um casal, decidimos que o almoço após o casamento seria a grande surpresa. Pedindo a cada pessoa que levasse um prato grande o bastante para servir cinco convidados, poderíamos convidar quantas pessoas quiséssemos, sem nos preocuparmos com a contagem dos pratos. Isto significa que eu poderia dar a cada um dos meus pais e avós cerca de 30 convites a mais e dizer que poderiam convidar quem quisessem.
Quanto à cerimônia, decidimos fugir um pouco do padrão. Eu nunca gostei da ideia de que um pai acompanhe sua filha pelo corredor e a entregue ao noivo, como se as mulheres fossem alguma espécie de propriedade a ser trocada; também não me agrada aquele momento “Aí vem a noiva!”, como se todo o evento girasse em torno da exibição da mulher. A fim de tornar claro que nossa união envolvia duas pessoas iguais se unindo, vindas de dois núcleos familiares diferentes, decidimos entrar ao mesmo tempo, vindos de lados opostos. Eu fui acompanhada por todas as mulheres de ambas as famílias; ele, por todos os homens — dando especial atenção à identidade de gênero das pessoas. Esta estrutura não apenas nos permitiu simbolizar a igualdade, mas também deu o tempo necessário para que as duas famílias tivessem tempo de se conhecer.
© Zoe Litaker
Buquês da decoração: flores da estçaõ vindas diretamente de uma fazenda local
Sem suar demais
Uma das coisas em que as pessoas mais comumente focam, em nossa cultura obcecada pela moda, é no que as outras pessoas estão usando, especialmente a noiva. Eu não tinha nenhum interesse em vestidos de milhares de dólares. Acabei usando um vestido, ainda assim, porque eu os acho divertidos. Ele custou US$70 em um brechó. Não era exatamente o que eu havia imaginado, mas era bom o suficiente. Afinal, pouco importava o que eu estaria vestindo; para mim, a beleza é um sentimento que vem de dentro e independe daquilo que se está vestindo.
Quanto à decoração, fizemos o melhor possível para garantir que seria de procedência local, sazonal e, quando possível, comestível. Em vez de flores suntuosas provavelmente colhidas por mulheres pobres e exploradas do Equador ou da Colômbia, expostas aos pesticidas borrifados sobre o solo para matar ervas-daninhas e impedidas de se sindicalizarem, preferimos decorações locais e sazonais.
Contratamos uma extraordinária fornecedora local para que nos ajudasse com a montagem e decoração da mesa. Ela criou uma mistura exuberante de buquês das flores da estação, vindas diretamente de sua fazenda. Como peças centrais, montou grandes cestas de maçãs frescas, recém-colhidas, que as pessoas levaram para casa consigo, como lembranças da festa. O dinheiro que gastamos com a compra de maçãs não apenas ajudou a economia local, como também nos ajudou a ter uma experiência de comunidade, não apenas de bens materiais.
Planeta no orçamento
Como ambientalista preocupada com o impacto de vários produtos e com as condições sob as quais são produzidos, escolher materiais e alimentos para um evento não foi uma tarefa simples. Foi importante evitar produtos que eu sabia que eram feitos mediante a exploração de outras pessoas ou que geravam impactos ambientais.
Em primeiro lugar, insistimos que todas as emissões de gás carbônico usadas durante a viagem deveriam ser compensadas. Em nosso formulário RSVP, convidamos as pessoas a compensar suas emissões — é menos caro do que você imagina — em uma dentre várias empresas respeitáveis de compensação existentes.
Para nós, não levar em consideração os custos sociais e ambientais da poluição por gás carbônico, tendo condições de fazê-lo, seria falta de responsabilidade.
Finalmente, houve inúmeras pequenas coisas que fizemos para reduzir o impacto. A cerveja que servimos foi preparada usando energia solar. Toda a louça não lavável era reciclável. Além disso, ajudou muito estarmos sempre atentos para quando expectativas impostas pela publicidade surgiam e atrapalhavam em nossos propósitos de manter o casamento simples, local e fiel a nossos valores.
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Almoço a muitas mãos: convidados participaram da festa colaborando com a refeição
Falar sobre política
Para nós, inspirar outras pessoas a tomar uma atitude quanto às mudanças climáticas foi mais importante do que qualquer coisa. O problema é muito grande para que nós o ignorássemos no dia do nosso casamento.
Queríamos realmente encorajar outras pessoas a não nos darem presentes, até porque a maioria deles não caberia em nosso pequeno apartamento em Nova York, de qualquer forma. Em vez disso, sugerimos que poderiam fazer doações a alguma de cinco organizações que lidam com questões ambientalistas, liberdade de expressão e direitos de representação legal.
Para meu marido e eu, o casamento consistiu em unir nossas famílias, convidar as comunidades a se reorganizarem e nos apoiarem como um casal nos anos vindouros, celebrando nossos valores de sustentabilidade, comunidade, ação política e ateísmo. Preparamos um fim de semana de eventos interativos e uma cerimônia única e significativa que nos pareceu correta. Tudo isso custou cerca de US$3.000, no total, que acabamos recuperando sob a forma de pequenos presentes. (O custo médio de um casamento nos Estados Unidos varia entre US$15 mil e US$75 mil). Terminada a cerimônia, a dança e a cantoria, muitos de nossos 300 convidados nos disseram que foi o casamento mais divertido em que já haviam estado.
Tradução Henrique Mendes
* Texto originalmente publicado em Waging Nonviolence, publicação eletrônica que divulga notícias e análises sobre a luta por justiça e paz no mundo.
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