A ministra brasileira da Saúde, Nísia Trindade Lima, que está em Genebra, na Suíça, para participar da 76ª Assembleia Mundial da Saúde, falou a respeito da resolução sobre saúde dos povos indígenas que quer fazer do tema uma prioridade global. A proposta, já apresentada à Organização Mundial da Saúde (OMS), será votada no sábado (27/05).
Uma cópia do documento foi entregue, simbolicamente, nesta quarta-feira (24/05) por Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena, a lideranças indígenas do povo yawalapiti que estavam em Genebra. Com 90 anos, o cacique Raoni, uma das principais lideranças indígenas do Brasil, símbolo da luta em defesa das florestas e dos direitos dos povos indígenas, acabou não participando do evento por estar cansado devido aos muitos compromissos.
O texto coloca aponta a especificidade da saúde dos povos indígenas e pede o reconhecimento dos seus direitos como tema prioritário na agenda da OMS. A ministra também lembrou que essa proposta é pioneira: “até o momento, não havia esse reconhecimento em uma resolução específica”, disse.
Segundo o ministério da Saúde, a resolução “mostra que a saúde indígena deve ser tratada como uma questão prioritária em todo o mundo, para que as nações avancem em sistemas de saúde que promovam a saúde desses povos”.
A Assembleia Mundial da Saúde é importante por ser considerada a instância máxima de decisão da OMS: é de lá que sairão as políticas sanitárias que devem ser seguidas nos próximos 12 meses no mundo todo.
Em conversa com jornalistas, a ministra explicou que a resolução está sendo proposta pelo Brasil, mas em conjunto com a Austrália, Bolívia, Canadá, Colômbia, Cuba, Equador, União Europeia, Guatemala, México, Nova Zelândia, Panamá, Paraguai, Peru, Estados Unidos e Vanuatu.
“Creio que só a enumeração dos países mostra a adesão, que tem sido acrescida de contribuições que certamente tornará muito simbólico, mas também muito propositivo o teor do que vai ser deliberado pela Assembleia Mundial da Saúde”, disse.
A ministra destacou que a iniciativa dessa resolução foi motivada pelo “retrocesso geral” na saúde indígena no Brasil, referindo-se aos anos do governo de Jair Bolsonaro. Mas o que tornou mais sensível o tema em termos de opinião pública, segundo ela, foi a crise yanomami tornada pública em janeiro, que levou a um estado de emergência sanitária.
Crise humanitária vivida pelo povo yanomami
“Essa crise foi enfrentada e continua a ser, porque ela ainda não foi totalmente superada, mas, felizmente, conseguimos atuar e ter resultados positivos especialmente em relação à desnutrição infantil e garantir uma maior assistência hoje. Mas ainda consideramos um processo em curso porque a complexidade é grande”, afirmou ela.
Segundo a ministra, “mais do que o respeito à diversidade”, é preciso admitir que “nós só vamos avançar em relação à questão indígena no Brasil com o reconhecimento do protagonismo dos indígenas”.
Ela citou dados da ONU que mostram que a população indígena é de 476 milhões de pessoas vivendo em 90 países, cerca de 6% da população mundial. Eles também são 19% das pessoas extremamente pobres, embora representem apenas 6% da população global, de acordo com dados do Banco Mundial. A expectativa de vida entre indígenas é até 20 anos menor que entre não indígenas em todo o mundo.
Ministra Nísia Trindade discursa em evento da OMS em Genebra, na Suíça
A ministra também fez questão de falar de indicadores positivos, dizendo que “há uma grande potência nos territórios indígenas no Brasil e em todo o mundo” e lembrou que foram “guardiões da floresta”. E também chamou atenção para algumas recomendações da resolução que será submetida à OMS. Uma delas é a definição de um plano global de ação para a saúde dos povos indígenas a partir de uma ampla consulta com os estados-membros, tendo como horizonte a 79ª Assembleia, em três anos. Além disso, falou da necessidade de se construir um processo para que essa declaração não tenha apenas um caráter simbólico.
Os números dos povos indígenas
De acordo com Weibe Tapeba, secretário de saúde indígena, o protagonismo indígena “está quebrando fronteiras do nosso país e chegando na comunidade internacional”. O secretário citou números importantes, como a presença de 305 povos indígenas no Brasil e pelo menos 119 registros de povos indígenas em situação de isolamento voluntário e 182 línguas indígenas registradas. Defendeu um sistema de saúde indígena que precisa ser pensado a partir desssa diversidade étnica existente no nosso país e no mundo.
“Essa resolução traz a possibilidade da cooperação, o compromisso que os países vão estar adotando a partir de então de implementarem políticas de financiamento que busquem a valorização dos conhecimentos tradicionais das comunidades para dentro das políticas de saúde”, afirmou o secretário que disse ter esperança de que a proposta seja aprovada no sábado. Para ele, “a iniciativa do governo brasileiro de propor essa resolução pioneira é extremamente importante”.
“A OMS, de fato, precisava ter um instrumento que também pudesse tratar dessa temática que é muito cara e precisava de uma atenção especial”, apontou
Uma esperança
Lideranças indígenas que receberam cópias do documento no ato simbólico em Genebra falaram de como estava a situação nos últimos anos. Watatakalu Yawalapiti, do povo Yawalapiti, afirmou que a saúde indígena foi abandonada e que atualmente estamos “num processo de recuperação dos direitos”.
“Nossos parentes tomaram cloroquina sem eles saberem”, disse, lembrando de “parentes” que morreram de tuberculose e sofrem com a falta de acesso a remédios básicos. “Esses são os impactos que nós sentimos durante esses últimos quatro anos, ver nossos parentes morrerem e a gente não saber o que fazer”.
“Tudo o que está sendo feito hoje, pra gente, é uma esperança”, disse, ao comentar o significado da resolução. “Tudo o que está sendo feito é aquilo que a gente acredita que vai melhorar alguma coisa para o nosso povo”, continuou, ao lado do cacique Tapi Yawalapiti, do povo yawalapiti. “Todos vocês sabem que nosso povo é esquecido. A gente tem que vir aqui fora do país gritar. Nós vemos isso como uma esperança”.
Mudança de discurso
No discurso que fez na Assembleia Mundial da Saúde, no início desta semana, a ministra brasileira defendeu “pensar em sistemas de saúde que respeitem as especificidades dos povos indígenas”. Ela também agradeceu o apoio recebido ao projeto brasileiro de resolução, “pioneira em reconhecer a saúde dos povos indígenas como tema de interesse da OMS”.
Nísia Trindade Lima discursou na segunda-feira (22/05) pela primeira vez na Assembleia Mundial da Saúde, cujo tema, este ano, são os 75 anos da OMS. E ficou claro que a relação do governo brasileiro com a organização será totalmente diferente da postura adotada por Jair Bolsonaro durante seu governo, que coincidiu com o período mais grave da pandemia da covid-19. Entre outras coisas, o ex-presidente fez críticas à organização, ameaçou deixar a entidade, parou de fazer pagamentos e atacou a vacinação. Agora, o discurso é outro.
“O Brasil está de volta, o que significa a retomada de nossa agenda em defesa da equidade em saúde, da cultura da paz e do multilateralismo, fundamentais neste tempo”, disse. “O Brasil voltou para somar sua voz e sua atuação em defesa da equidade em saúde, da justiça e da solidariedade internacional”.