A maior parte do território francês se encontra atualmente em estado de alerta máximo de vigilância contra a propagação do mosquito tigre, transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e zika, entre outras doenças tropicais. Com as temperaturas recordes registradas neste verão, as autoridades sanitárias notam um aumento de propagação desse inseto, também conhecido pelos nomes científicos Aedes albopictus ou Stegomyia albopicta.
Enquanto no Brasil o Aedes aegypti é o principal vetor de transmissão dessas infecções, a França e outros países da Europa foram infestados pelo mosquito tigre, proveniente de florestas tropicais da Ásia. O inseto chegou ao continente europeu transportado em pneus e navios comerciais. Atualmente, 70% do território francês está em estado de alerta vermelho, o mais grave na escala da vigilância sanitária, para a presença do mosquito tigre.
A primeira vez que este inseto preto de listras brancas foi identificado na Europa foi na Albânia, em 1979. Depois, a partir dos anos 1990, com a intensificação do tráfego marítimo internacional, o mosquito se instalou na Itália, Espanha, Bélgica, e mais recentemente na Croácia, Grécia, Holanda e Eslováquia.
Na França, a colonização começou em 2004 e rapidamente se alastrou até para áreas de inverno prolongado e temperaturas baixas, como a Alsácia, perto da fronteira com a Alemanha. A região parisiense é outra parte do país infestada. Os cientistas dizem que o mosquito tigre se adapta com facilidade a ambientes urbanos, embora prolifere mais no verão. Com a elevação das temperaturas nos últimos anos, provocada pelo aquecimento global, aumentou o risco de transmissão da dengue.
O mosquito tigre tem algumas particularidades em relação a pernilongos e outros insetos que perturbam o sono. Ele pica as pessoas de dia – na parte da manhã ou no fim da tarde –, é mais silencioso e provoca uma reação dolorida na pele, apesar de ser pequeno e medir cerca de 5mm.
Neste ano, de 1° de maio a 18 de agosto, a agência nacional de saúde pública francesa (Santé Publique France) já registrou 345 casos de dengue, oito de chikungunya e nenhum de zika. Pode parecer um número insignificante perto dos mais de 2,3 milhões de casos de dengue notificados no Brasil, mas a explosão dessas doenças na Europa pode ser só uma questão de tempo, porque o inseto se adaptou ao clima das zonas temperadas.
Cientistas afirmam que uma vez instalado num país, é praticamente impossível se livrar do mosquito tigre. Diante da proliferação dos insetos e das reclamações de moradores de áreas infectadas, as agências regionais de controle de mosquitos têm feito várias operações noturnas de pulverização para eliminar os criadouros.
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Principal vetor da dengue na França e em outros países da Europa é o mosquito tigre
Campanhas de prevenção
Prefeituras e agências públicas têm investido nas campanhas de prevenção, que orientam a população a eliminar a água parada e armazenada de maneira incorreta que podem se tornar possíveis criadouros, como em vasos de plantas, pneus, garrafas plásticas e outros depósitos. Os franceses adoram jardins; então é preciso cortar as plantas com regularidade para evitar a formação de poças d’água, principalmente em períodos de chuva.
Quando casos de dengue são diagnosticados em uma determinada área, a vigilância sanitária faz pulverização de inseticida na vizinhança durante a madrugada. Nos últimos dias, num bairro de Lyon (Sudeste), a prefeitura avisou a população que iria borrifar a deltametrina, um produto usado na agricultura, em um raio de 150 metros da casa da pessoa infectada. Os moradores foram solicitados a não comer frutas e legumes de suas hortas durante 48 horas após o tratamento. Os agentes também usam tratamentos para eliminar larvas, mas os efeitos são temporários.
Atualmente, existe uma discussão entre cientistas sobre a questão da vegetalização urbana, cada vez mais incentivada para diminuir a temperatura nas cidades. A questão é que telhados vegetalizados se tornam mais pontos sujeitos à formação de água parada, onde as fêmeas dos mosquitos podem depositar seus ovos.
Os jardins públicos franceses estão cheios de laguinhos e espelhos d'água, muitas vezes sem movimento. Como esse mosquito pica de manhã cedo e no final da tarde, os cientistas estão tentando descobrir onde o inseto se esconde das 10h às 16h – se fica em frestas de muros, bosques e arbustos. É possível que eles prefiram descansar em determinados lugares, talvez em certos tipos de vegetação, que devem, então, ser evitadas na vegetalização urbana.
Por enquando, existe um consenso científico de que a melhor forma de combater o mosquito é com o próprio mosquito. Por isso, a França está apostando na adoção do método do inseto estéril, validado em 2019 pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Essa técnica prevê a criação de milhares de mosquitos machos que são esterilizados por um método de radiação. Soltos na natureza, mesmo que eles se acasalem com as fêmeas, serão inférteis e não produzirão descendentes. O ponto negativo é que essa técnica é considerada custosa e, por enquanto, apenas uma startup francesa de Montpellier (sul), a Terratis, está desenvolvendo um projeto de esterilização dos machos em escala industrial. A fase de comercialização está prevista para daqui a quatro anos.
Há outros projetos de pesquisa em andamento, seja contra a dengue ou transmissores do vírus. Em março, uma equipe de cientistas franceses e brasileiros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no Brasil e na Universidade de Estrasburgo, no leste da França, identificou dois vírus presentes no mosquito Aedes aegypti que aumentam o potencial de transmissão da dengue.