Servidores do setor da saúde fazem uma nova jornada de greves e manifestações nesta terça-feira (07/06) na França, para denunciar a escassez crônica de médicos e enfermeiros nos hospitais públicos e exigir aumento de salários. O setor enfrenta uma crise que já reduziu os horários de atendimento em 120 unidades de pronto-socorro em todo o país, por falta de pessoal.
Em Paris, Grenoble, Estrasburgo, Bordeaux ou cidades menores, como Aurillac, Epernay e Cherbourg, médicos e enfermeiros saem às ruas em protesto ao que consideram ser um “desprezo” do poder público em relação às dificuldades enfrentadas diariamente nos hospitais. A pandemia de Covid-19 agravou os problemas estruturais que o setor já enfrentava.
Os hospitais franceses entraram em uma espiral de fechamento de leitos, devido às dificuldades de recrutamento de enfermeiros, técnicos de radiologia, médicos intensivistas e de outras especialidades. Muitos profissionais desistiram de trabalhar na saúde pública diante das condições precárias de trabalho e remuneração.
O presidente Emmanuel Macron prometeu anunciar medidas emergenciais no início de julho, mas sindicatos e coletivos de médicos temem que pacientes morram na fila dos prontos-socorros durante as férias de verão, em julho e agosto. Os servidores da saúde, esgotados após dois anos de pandemia, precisam gozar de férias, mas não encontram substitutos para assumir a carga de trabalho.
Na semana passada, Macron visitou o hospital Louis Pasteur em Cherbourg (noroeste), na Normandia, e foi questionado por uma enfermeira indignada. Ela disse ao presidente que ele “estava cansado de saber das condições precárias nos hospitais e nada fez para atenuar essa situação”. A servidora reclamou que o plano de investimentos anunciado pelo governo em 2020 – de € 30 bilhões, incluindo € 10 bilhões apenas para reajustes de salários –, estabeleceu desigualdades. A enfermeira citou, como exemplo, os 30% de aumento no piso das enfermeiras em início de carreira e mais dias de férias, enquanto os reajustes para os profissionais mais experientes foi proporcionalmente menor, mantendo as condições de trabalho sacrificadas.
Macron reconheceu que a crise nos hospitais franceses não será resolvida da noite para o dia. Ele pediu ao presidente do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), François Braun, que apresente propostas emergenciais até o final de junho, a fim de evitar o colapso nos prontos-socorros. Mas tanto profissionais da saúde quanto senadores e políticos de oposição criticam a demora nas decisões, e dizem que Macron só tenta ganhar tempo até o segundo turno das eleições legislativas, no dia 19 de junho. A cinco dias do primeiro turno, os protestos desta terça buscam mobilizar a opinião pública e pressionar o governo.
“Seja nos hospitais públicos, nos centros de saúde médico-sociais ou nos prontos-socorros, o sistema está à beira do colapso”, denuncia Mireille Stivala, secretária-geral da Federação de Saúde e Ação Social da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT).
“Há uma flagrante falta de pessoal, que provoca o fechamento de estruturas e serviços, além de não garantir a continuidade do atendimento para muitos pacientes e moradores em todo o território”, diz Stivala.
Os diretores de hospitais afirmam que os cortes orçamentários exigidos por sucessivos governos nos últimos anos obrigaram os estabelecimentos a funcionar de acordo com uma lógica de rentabilidade que desorganizou o atendimento, em detrimento da qualidade do serviço público e do atendimento aos pacientes.
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Setor já reduziu horários de atendimento em 120 unidades de pronto-socorro em todo o país, por falta de pessoal
Corrigir a defasagem de salários em relação ao setor privado
Na avaliação de Patrick Pelloux, presidente da Associação de Médicos Intensivistas da França (Amuf), algumas soluções devem ser implementadas com prioridade.
“Existe uma desigualdade muito grande de remuneração entre os setores público e privado, e isso tem aumentado”, explica o intensivista. Ele cita o aparecimento, nos últimos anos, de empresas que oferecem a contratação pontual de médicos e enfermeiros para os hospitais. Essas agências garantem uma remuneração por plantão ou contratos curtos de trabalho mais atraentes para os profissionais do setor do que o serviço público de saúde. Os recém-formados têm preferido esse sistema de trabalho mais bem pago e flexível, em vez da carga horária extenuante dos hospitais públicos, os salários achatados e as condições de atendimento precárias. “Não é possível continuar assim”, diz Pelloux.
“Precisamos aumentar a remuneração dos médicos, enfermeiros e técnicos hospitalares, o valor dos plantões noturnos e dos fins de semana”, defende o intensivista em entrevista à RFI. “Uma enfermeira recebe um adicional noturno de € 1,07 por hora; não é possível continuar assim”, desabafa o médico.
Pelloux defende a promoção de “uma cultura de igualdade social, o que provavelmente significa um pagamento extra para todos no verão”. “Assim conseguiremos reabrir os leitos”, afirma.
Para defender o direito de acesso a um atendimento de saúde de qualidade, associações de usuários de hospitais também se mobilizam.
“Os usuários estão muito preocupados porque sentem que as coisas vão mal e que há cada vez mais dificuldades no acesso aos cuidados, seja para emergências ou para problemas menos urgentes”, diz Michèle Leflon, presidente da coordenação nacional dos comitês locais de defesa dos hospitais e maternidades da rede pública.
“A situação da psiquiatria infantil é dramática”, relata. “Os prazos de espera de um ano para as famílias conseguirem atendimento são inadmissíveis”, adverte Leflon. Ela convoca todos os franceses a se unir aos protestos desta terça em defesa do sistema público de saúde francês, que já esteve entre os melhores do mundo no passado.