Mais de 800 mil pessoas foram hospitalizadas na Inglaterra e no País de Gales por desnutrição no ano passado, conforme revelou uma pesquisa do Sistema Público de Saúde Britânico, o NHS. O número de pacientes internados triplicou nos últimos dez anos e as projeções para 2024 são sombrias.
Com base nos diagnósticos hospitalares, o NHS identificou 25 condições ligadas à má nutrição de pacientes na última década, incluindo deficiência de vitaminas e minerais básicos como ferro, vitamina B e falta de ingestão de proteínas e calorias. Foram diagnosticados muitos casos de raquitismo entre crianças, doença mais comum em países africanos e outras nações muito pobres.
A professora Kamila Hawthorne, que responde pelo Royal College de clínicos gerais, disse em entrevistas aos jornais britânicos que os médicos estão tendo que lidar com estresse moral pela falta de capacidade de ajudar esses pacientes. “Os médicos não podem prescrever dinheiro ou comida, que é o que a maioria deles precisa”, afirmou.
Nas palavras de Sir Michael Marmot, da University College London (UCL), os dados são “muito chocantes”, ainda mais no contexto de um país rico como o Reino Unido, a sexta maior economia do mundo.
Fome, pobreza e saúde
A relação entre fome, insegurança alimentar e saúde da população é complexa, mas está claro que o aumento do custo de vida teve um impacto devastador para uma boa parcela dos britânicos.
Dados de pobreza divulgados pela Câmara dos Comuns em dezembro projetam para 2024 que 17% da população estará sujeita a uma condição de extrema pobreza, ou seja, quase um em cada cinco britânicos. Se apenas as crianças forem consideradas, uma em cada três já vivem na pobreza.
Políticos liberais e muitos economistas atribuem essa situação dramática aos 13 anos de sucessivos governos conservadores, que fizeram cortes significativos de benefícios sociais aos que mais precisam. Já o governo atual culpa a pandemia de covid-19, que desaqueceu a economia em todo o mundo, a guerra na Ucrânia, e o consequente aumento da inflação.
Mas independentemente da política, tem muita gente passando fome, dormindo nas ruas ou com dificuldade de aquecer as casas neste inverno. A situação impacta também a segurança pública, com o crescimento de 25% de furtos de alimentos em supermercados em 2023, em comparação ao ano passado.
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Políticos liberais e muitos economistas atribuem situação dramática aos 13 anos de sucessivos governos conservadores
Ex-potência colonial não garante segurança alimentar
Uma pesquisa recente da Food Foundation, que faz esse acompanhamento desde março de 2020, revelou que 6% dos adultos relataram já terem passado um dia inteiro sem comer porque não tinham dinheiro para comprar comida ou pela falta de acesso aos bancos de alimentos.
Outros 15% dos entrevistados afirmaram ter pulado uma refeição por dia. Segundo o estudo, 21% dos lares britânicos com crianças enfrentam uma situação de insegurança alimentar. A pesquisa coincide com o mesmo período dos dados de desnutrição divulgados pelo sistema público de saúde da Inglaterra.
Doenças prosperam
Outro dado preocupante é o aumento de casos de obesidade e doenças relacionadas entre crianças que vivem em áreas mais pobres. Com menos dinheiro no bolso, muitas famílias compram alimentos mais baratos como os industrializados e ultraprocessados, com excesso de açúcar, sal e gordura mas pobres em nutrientes.
O governo diz que está comprometido em cortar pela metade a taxa de obesidade infantil, promovendo mais atividade física e programas educativos para uma dieta mais saudável.
Campanhas por merenda gratuita
O Royal College, assim como diretores de escolas e celebridades, entre elas o jogador de futebol Marcus Rashford e o chef de cozinha Jamie Oliver, fazem campanha para a expansão dos critérios de quem recebe ou não merenda gratuita nas escolas públicas do país.
Em fevereiro, o prefeito de Londres, Sadiq Khan, introduziu merenda gratuita para todos os alunos de escolas primárias da cidade. Entretanto, no restante da Inglaterra, cerca de 23% dos alunos escolarizados se qualificam para receber esse almoço sem custos para os pais. Esse percentual também subiu em 2023, o que indica que mais famílias entraram nas estatísticas da extrema pobreza.
As consequências são devastadoras para a saúde física e mental das crianças desnutridas. Elas são mais propensas a sofrerem de hiperatividade, ansiedade, pensamentos suicidas e, consequentemente, hospitalizações.