Desde que o Talibã retomou o poder no Afeganistão em agosto de 2021, a paquistanesa Malala Yousafzai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, tem feito uma campanha ativa pelos direitos das mulheres no país devastado pela guerra.
“Os decretos do Talibã estão sistematicamente apagando da vida pública milhões de mulheres e meninas no Afeganistão, e todos nós devemos fazer mais para responsabilizar o Talibã”, diz Malala à DW. “Antes de mais nada, estou pedindo a todos os governos que tornem o apartheid de gênero um crime contra a humanidade.”
Na última quarta-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas discutiu a situação cada vez mais arrasadora no Afeganistão.
No início de dezembro, a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama, na sigla em inglês), criada pelo Conselho de Segurança em 2002 para apoiar as instituições afegãs em áreas como direitos humanos, Estado de Direito e igualdade, publicou um relatório.
No texto, a Unama se refere ao regime talibã como uma gestão “de facto”, já que não tem reconhecimento internacional. “As autoridades de facto continuam a restringir os direitos de mulheres e meninas.”
Sob o Talibã, meninas e mulheres têm ficado cada vez mais confinadas em suas casas. Elas só podem estudar até a 6ª série, sendo, portanto, banidas das universidades, bem como dos espaços públicos, como parques, e da maioria dos empregos. Elas devem levar um acompanhante do sexo masculino em viagens de mais de 72 quilômetros e seguir um código de vestimenta.
O relatório da Unama afirma que, em algumas províncias, como Khost e Sabul, mulheres e meninas são proibidas até mesmo de ir a mercados ou lojas sem a companhia de um homem.
Um decreto do Talibã, em julho, também ordenou o fechamento de todos os salões de beleza femininos, um dos poucos lugares que elas ainda podiam frequentar. A medida, além disso, deixou dezenas de milhares de mulheres desempregadas.
Nenhuma melhora apesar dos alertas
A comunidade internacional está ciente da situação no Afeganistão há muito tempo, afirma Niloufar Nikseyar, ex-professora da Universidade de Herat, em entrevista à DW.
“Em toda oportunidade, um novo relatório é publicado sobre a situação das mulheres e meninas no Afeganistão. Todas as vezes, esperamos que o mundo ouça nossa voz e que a situação mude para melhor”, diz. “Mas não vimos nenhuma melhora nos últimos dois anos. Ainda assim, como mulher, sempre me esforço para ser a voz das vítimas no Afeganistão. Não queremos perder a esperança.”
Nikseyar, que ainda vive no Afeganistão, faz parte de um grupo de mulheres que organizam sessões de leitura em casa para mulheres e meninas. Mesmo no caso dessas reuniões só de mulheres, elas precisam informar o Talibã e pedir permissão.
AHMAD SAHEL ARMAN/AFP
A comunidade internacional está ciente da situação no Afeganistão há muito tempo, afirmam ativistas
As promessas não cumpridas do Talibã
Quando tomou o poder em 2021, o Talibã prometeu respeitar os direitos das mulheres de acordo com a lei islâmica, ou sharia. Mas o grupo fundamentalista islâmico foi introduzindo gradualmente uma série de restrições e políticas que negam às mulheres e às meninas até mesmo seus direitos básicos, apenas por causa de seu gênero.
Sahraa Karimi, uma diretora de cinema afegã, descreveu as políticas do regime talibã como um “apartheid de gênero” que representa um “crime contra a humanidade”.
Temendo por sua vida, Karimi fugiu do Afeganistão após o grupo tomar o poder e vive agora nos Estados Unidos. “Nos últimos dois anos, os relatórios sobre o Afeganistão e as restrições às mulheres e meninas mostraram que o Talibã não mudou em nada sua atitude”, afirma.
“Infelizmente, a comunidade internacional está apoiando o Talibã ao permanecer em silêncio. Isso permite que eles continuem a suprimir os direitos básicos das mulheres.”
Como ajudar mulheres e meninas?
Karimi está preocupada com o futuro do Afeganistão. Ela teme que a sociedade afegã se torne ainda mais regressiva sob o domínio do Talibã e sirva de base para forças radicais, que por fim acabariam representando uma séria ameaça para o mundo inteiro.
Chegou a hora de a comunidade internacional trabalhar ativamente para abolir a segregação de gênero no Afeganistão e garantir que o Talibã seja responsabilizado por suas ações, enfatiza a cineasta.
“Os países ocidentais, bem como as potências regionais, podem mudar essa situação, mas não vejo nenhuma vontade política de fazê-lo”, afirma Shaharzad Akbar, que foi chefe da Comissão de Direitos Humanos do Afeganistão de 2019 a 2021.
Akbar, que agora vive no Reino Unido, recebeu em novembro um prêmio da Fundação Friedrich Ebert, da Alemanha, por seus esforços na promoção dos direitos humanos.
“O Afeganistão não deve ser esquecido”, disse ela à DW durante a cerimônia de premiação. “É nosso dever ser a voz das mulheres no Afeganistão. Os ativistas de direitos humanos e a mídia não devem permitir que as mentiras do Talibã se tornem a verdade sobre o Afeganistão.”
Malala Yousafzai enfatiza a necessidade de “enviar um sinal claro às mulheres e meninas afegãs de que nós as vemos, ouvimos seu apelo à ação e estamos prontos para oferecer nossa solidariedade”.
A paquistanesa também diz que a comunidade internacional precisa ajudar as meninas a continuarem seus estudos enquanto o veto em escolas permanecer em vigor.
“Os filantropos e investidores podem aumentar seu financiamento para as organizações afegãs e internacionais que têm oferecido programas de aprendizagem criativos, alternativos e digitais para alcançar as meninas afegãs em suas casas.”