Um relatório elaborado pela Unesco alertou que as crises hídricas podem ameaçar a paz mundial, além de revelar que mais de duas bilhões de pessoas ainda vivem sem acesso à água potável gerida de forma segura.
O levantamento da entidade, que foi divulgado por ocasião do Dia Mundial da Água, também apontou que 3,5 bilhões de indivíduos pelo planeta não possuem acesso a serviços higiênicos e sanitários.
No Brasil, 2,1 milhões de crianças e adolescentes de zero a 19 anos vivem sem acesso adequado à água potável. O percentual de crianças e adolescentes negros sem acesso adequado à água é de 4,7%, o dobro do registrado entre brancos, de 2,2%.
Já entre crianças e adolescentes indígenas, esse percentual é 11 vezes maior do que o de brancos (25%). Os 15 estados com maiores percentuais de crianças e adolescentes sem acesso adequado à água estão nas regiões Norte e Nordeste do país.
Os números apresentados pela Unesco evidenciam que a Organização das Nações Unidas (ONU) está bem longe de alcançar um de seus principais objetivos no setor, que é garantir a todos o acesso a esses serviços básicos até 2030.
Para deixar a situação ainda pior, o estudo aponta que as desigualdades poderão aumentar se nada for feito em relação ao problema.
O documento informou que metade da população mundial “sofreu uma grave escassez de água” em 2022, enquanto um quarto dessa parcela passou por uma escassez “extremamente elevada”.
“É estimado que as alterações climáticas aumentem a frequência e a gravidade destes fenômenos, com fortes riscos para a estabilidade social”, explicou a Unesco.
Espera-se que a procura de água aumente 55% até ao ano 2050 – o que é alarmante num momento de escassez de água a nível mundial devido ao aumento da procura de serviços de água e saneamento.
Governos estão promovendo aquisições do setor privado nos setores da água e do saneamento. Isto pode ser observado em países como o Brasil, onde a privatização conduzirá inevitavelmente a uma menor distribuição de água nas zonas mais pobres do país.
O Banco Mundial desenvolveu um programa de “financiamento misto” que exige a participação do setor privado antes que os operadores públicos de água possam receber apoio financeiro.
Secando o Sul Global
A privatização da água começou em países do Sul Global, juntamente com as reformas hídricas na década de 1980, através da imposição de programas de ajustamento estrutural.
Isto estabeleceu um precedente segundo o qual as crises hídricas não são novas no Sul Global. Por exemplo, no Sudeste Asiático, todos os anos, secas e inundações assolam Bangladesh, perturbando a vida dos agricultores que dependem fortemente da irrigação.
Muitos no Sul Global, incluindo em África e na Ásia, continuam manifestando forte oposição às políticas de privatização. Em todo o continente africano, as reformas de privatização foram caracterizadas como “recolonização” devido à participação de empresas estrangeiras.
Os problemas ecológicos globais, como a crise hídrica, não resultam apenas do esgotamento dos recursos naturais, eles provêm principalmente de distribuições desiguais de recursos naturais e de poder. A falta de políticas regionais justas e equitativas de partilha de água leva ao sofrimento das pessoas pobres que dependem dos recursos naturais para a sua sobrevivência.
A água não só liga as nações, como também as sustenta: mais de 40% da população mundial depende da água doce dos rios que atravessam dois ou mais países, e 75 % dos Estados-membros da ONU compartilham uma bacia hidrográfica com um país vizinho. Com a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e dos seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a gestão integrada dos recursos hídricos foi consagrada no objetivo 6.5: “até 2030, implementar a gestão integrada dos recursos hídricos a todos os níveis, incluindo através da cooperação transfronteiriça, conforme apropriado”.
(*) Com ANSA
(*) Com Agência Brasil