A juventude francesa teme que a guerra na Ucrânia se expanda pela Europa. As recentes declarações do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre um eventual envio de tropas para lutar contra a Rússia preocupam adolescentes e jovens, que vêm expressando nas redes sociais o temor de receberem uma convocação para combater.
Na rede social preferida dos jovens franceses, o Instagram, as buscas por publicações relacionadas à guerra na Ucrânia e à uma possível mobilização da França contra a Rússia aumentaram no último mês. Já no TikTok, as principais trends desta sexta-feira (22/03) eram “Putin insulta a França em uma entrevista” e “Macron em guerra contra a Rússia”. No YouTube, canais como o Brut ou o Hugo Décrypte, com forte apelo entre a Geração Z, vídeos sobre o assunto acumulam milhões de visualizações.
A imprensa tradicional francesa – jornais impressos, TVs e rádios – também evocam em reportagens e matérias o temor dos jovens diante da possibilidade de uma convocação para ir lutar na Ucrânia. “As pessoas ao meu redor estão falando que talvez tenhamos uma Terceira Guerra Mundial”, diz uma menina de 12 anos ao canal France 2. “Em longos conflitos, as Forças Armadas precisam mobilizar os cidadãos”, afirma um estudante do Ensino Médio na mesma reportagem.
Até o momento, os institutos de pesquisa não aferiram o sentimento dos jovens em relação a essa escalada de tensão nas últimas semanas. Um levantamento do Instituto BVA para a rádio RTL mostrou que 80% dos franceses se sentem preocupados com o conflito.
Declarações do presidente francês
A reação está longe de ser uma novidade: desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, o medo que a guerra se expanda pela Europa assombra o cotidiano da população francesa. No entanto, as recentes declarações de Emmanuel Macron reforçaram esse sentimento.
Em 27 de fevereiro, depois que uma reunião de apoio a Kiev foi realizada em Paris, Macron afirmou que não descartava o envio de tropas para lutar na Ucrânia e declarou que faria “o necessário para garantir que a Rússia não possa vencer esta guerra”. Apesar de ter sido criticado pela oposição e não ter sido apoiado pelos aliados ocidentais, o presidente francês voltou a ratificar seu posicionamento em duas ocasiões.
Em uma entrevista na TV em 14 de março, Macron evocou a necessidade de mostrar à Rússia que os países ocidentais “estão prontos para responder”. Dois dias depois, o jornal Le Parisien publicou uma entrevista em que o líder francês pediu para a população “se preparar para todos os cenários possíveis”, mencionando novamente a possibilidade do envio de tropas à Ucrânia.
As declarações resultaram em uma forte reação da opinião pública, com 70% da população desaprovando o posicionamento do presidente, segundo uma pesquisa recente do instituto Odoxa.
A popularidade do presidente francês caiu quatro pontos em apenas um mês. De acordo com o Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop), 72% da população da França está insatisfeita com Macron. O descontentamento ocorre principalmente por conta das afirmações do líder sobre o envio de tropas francesas para a Ucrânia, na análise do Ifop.
Probabilidade de mobilização de tropas francesas
O ministro francês das Forças Armadas, Sébastien Lecornu, declarou neste mês que o envio de tropas francesas de combate à Ucrânia é algo que “não está sendo considerado”. A possibilidade é ainda menor sobre o envio de soldados da Otan, devido à oposição declarada de vários países-membros da aliança militar, como Alemanha, Espanha, Reino Unido, Holanda, os países escandinavos e a Polônia.
Especialistas são céticos sobre o envio de militares franceses para lutar a Rússia ao lado de soldados ucranianos – e a possibilidade de envio de civis é descartada por estrategistas de guerra entrevistados pela imprensa francesa. Uma atuação direta da França em solo ucraniano também poderia ser vista como uma declaração de guerra à Rússia, que ameaça reagir com o uso de armas nucleares.
Segundo o ministro francês das Relações Exteriores, Stéphane Séjourné, o que pode ocorrer é militares franceses e da Otan serem mandados para operações de formação ou de desminagem na Ucrânia. Para ele, é importante “não ultrapassar o limiar da beligerância”.
Diante da oposição dentro do próprio governo e de seus aliados, o posicionamento do Macron evidenciaria, assim, uma retórica estratégica de demonstração de força. O objetivo, segundo estrategistas de guerra, seria tentar uma dissuasão e alimentar o debate sobre alternativas para colocar um fim ao conflito.
A última convocação geral da França data de 1939, quando mais de quatro milhões de franceses foram chamados para lutar na Segunda Guerra Mundial. Atualmente, a única força que pode ser mobilizada é a reserva operacional das Forças Armadas, que conta com cerca de 40 mil voluntários.