Após oito anos de difíceis negociações entre os 27 países-membros e o aumento contínuo do número de refugiados e requerentes de asilo que chegam à União Europeia, o Parlamento Europeu aprovou nesta quarta-feira (10/04) o endurecimento das regras de migração e asilo do bloco.
Com o Pacto Migratório, líderes do bloco querem reduzir o número de pessoas que chegam, acelerar a rejeição de requerimentos de asilo inválidos e deslocar a triagem desses processos para fora de suas fronteiras, interceptando imigrantes antes que estes tenham a chance de pisar em solo europeu ou se lançar em botes no Mar Mediterrâneo.
Em 2023, a UE registrou quase 1,13 milhão de pedidos de asilo, segundo a Eurostat, agência de estatísticas do bloco – o maior nível em sete anos, próximo dos picos registrados em 2015 e 2016, durante a crise de refugiados. A esses números somam-se os cerca de 4 milhões de refugiados da guerra na Ucrânia acolhidos pelo bloco desde 2022.
Como funcionará o processo de asilo fora da UE
No novo sistema, os imigrantes que entrariam ilegalmente na UE serão identificados e terão seus dados biométricos registrados em um sistema em até sete dias a partir da chegada – seja ela por terra, mar ou ar.
Desde 2015 há esforços na UE para introduzir um registro obrigatório de imigrantes. O banco de dados atual, o Eurodac, continha apenas impressões digitais e tem diversas falhas.
Os dados serão compartilhados dentro da UE, evitando assim que uma mesma pessoa que tenha tido seu pedido rejeitado em um país possa protocolá-lo em outro.
O procedimento visa determinar quem deve passar por um processo de asilo acelerado ou normal, e quem deve ser enviado de volta para o país de origem ou de trânsito.
Crianças receberão tratamento especial, e os países serão obrigados a criar mecanismos independentes de monitoramento para garantir que os direitos sejam respeitados.
Requerentes de asilo ou refugiados vindos de países cujos processos têm índice de aceitação abaixo de 20% – Tunísia, Marrocos e Bangladesh, por exemplo – ficarão detidos em centros nas fronteiras externas da UE por até 12 semanas enquanto aguardam a análise dos seus pedidos.
Controversos, esses centros de detenção deverão ser construídos na Grécia, Itália, Malta, Espanha, Croácia e Chipre, e terão capacidade para até 30 mil pessoas. A expectativa da UE é que a cada ano até 120 mil imigrantes passem por eles.
Pessoas vindas de países cujos processos têm uma taxa de aceitação superior a 20% serão submetidas ao processo de asilo regular. Esses trâmites, que hoje podem se arrastar por anos, devem ser acelerados.
Aqueles que tiverem seus pedidos rejeitados poderão ser deportados mais rapidamente, ainda fora da UE.
O plano foi elaborado após 1,3 milhão de pessoas, principalmente aquelas fugindo da guerra na Síria e no Iraque, buscarem refúgio na Europa em 2015. O sistema de asilo da UE entrou em colapso, com centros de recepção na Grécia e Itália sendo sobrecarregados.
“Mecanismo de solidariedade obrigatória”
Após chegarem aos países do Mediterrâneo, muitos que buscam asilo seguem rumo à Alemanha, Áustria, França, Holanda ou Bélgica – também aqueles que tiveram seu requerimento negado.
Via de regra, caberia ao primeiro país de entrada receber essas pessoas de volta. Na prática, porém, não é o que acontece.
Para tentar desencorajar essa migração interna, o novo pacto prevê que os auxílios sociais e as condições de estadia sejam as mesmas em todo o bloco europeu.
As novas regras também preveem uma divisão mais equânime do ônus de processar pedidos de asilo entre os Estados membros – o chamado “mecanismo de solidariedade obrigatória”.
Países de entrada devem poder entregar requerentes de asilo com boas chances de aprovação a outros países da UE. A expectativa é que, no futuro, ao menos 30 mil imigrantes possam ser redistribuídos internamente dentro do bloco.
Países como a Hungria, que se recusam a receber imigrantes, devem ser obrigados a pagar uma compensação ou ajudar com recursos materiais e pessoal. E embora alguns tenham mencionado uma compensação no valor de 20 mil euros por imigrante (R$ 108,9 mil), não há definição legal sobre este ponto. Países que se sentirem sobrecarregados podem pedir o relaxamento de algumas regras e demandar mais solidariedade dos demais. O tema, porém, depende de uma decisão dos 27 Estados-membros e deve, por isso, gerar discordâncias.
Deportações mais rápidas dependem de acordos bilaterais
Embora o pacto preveja a deportação mais rápida daqueles que tiverem o pedido de asilo negado, a medida pressupõe a cooperação de países que receberiam essas pessoas de volta – no caso, países de origem tidos como “seguros” pelo bloco ou países por onde o imigrante tenha passado antes de ser detido.
A UE fechou recentemente um acordo com a Tunísia nesse sentido. Em troca de apoio financeiro, o país concordou em receber de volta cidadãos tunisianos rejeitados pelas autoridades europeias de fronteira, mas se recusa a receber pessoas de países africanos abaixo da linha do Deserto do Saara que tenham transitado pelo seu território a caminho da UE.
Um acordo parecido com a Turquia, fechado em 2016, reduziu o fluxo de refugiados sírios que chegavam à Grécia. A Turquia, porém, já não mais recebe sírios encaminhados de volta pela Grécia, e o acordo acabou perdendo a validade.
Por que as novas regras são polêmicas
Apoiadores do Pacto Migratório alegam que o endurecimento das regras, com processos de deportação mais rápidos, acabariam por desencorajar a imigração ilegal no longo prazo. Isso porque as chances de permanência na Europa diminuiriam sem um processo legal ou com um pedido de asilo rejeitado.
O chanceler alemão Olaf Scholz saudou o acordo como um “passo histórico e indispensável”, que representava a solidariedade entre os estados europeus. Segundo o social-democrata, o pacto “limita a migração irregular e finalmente alivia o fardo dos países mais gravemente afetados”.
Críticos, porém, apontam que as novas regras esvaziam o direito ao asilo na UE, barrando efetivamente pessoas que precisam de proteção, e não contribuiriam para evitar as mortes na travessia da África e do Oriente Médio rumo à Europa pelo Mar Mediterrâneo. Os centros de detenção, argumentam, podem encorajar a detenção sistemática de pessoas e minar os direitos humanos.
Antes de entrar em vigor até 2026, a medida ainda precisa ser formalmente aprovada pelo Conselho Europeu, o que deve acontecer em abril. A partir daí, a aplicação das regras dependerá da boa vontade de todos os 27 Estados-membros. Só então será possível saber se as medidas, de fato, provocarão uma queda no número de requerentes de asilo.