Em 21 de março de 1804, entrou em vigor o Código Civil francês, que seria consagrado como o Código Napoleônico.
Napoleão Bonaparte não deixou somente um passado de vitórias e derrotas militares. Ficou marcado na história como um dos chefes de Estado que construíram as instituições mais duráveis de seu tempo. Entre essas instituições, figura o Código Civil.
O Código Civil napoleônico consolidou, reordenou e emendou diversas legislações para formar um arsenal jurídico único, a ser aplicado em todo o território e por todos os franceses, independente de sua condição econômica, social ou cultural. Mas havia uma gritante exceção: essa legislação consolidada também aboliu direitos que as mulheres haviam adquirido desde a Idade Média.
Inspirando-se no direito revolucionário e no direito romano, o Código Napoleônico consagrou os grandes princípios da Revolução: liberdade da pessoa; liberdade e segurança da propriedade; abolição do feudalismo, laicismo etc. No entanto, as mulheres não se beneficiariam dos mesmos direitos que os homens. Foram consideradas “civilmente incapazes”.
Em 1800, o jovem general Napoleão Bonaparte, primeiro cônsul e chefe incontestável da França, deu início a uma árdua tarefa de rever o antiquado e confuso sistema legal francês. Para tanto, nomeou uma comissão especial, presidida por Jean-Jacques-Régis de Cambacérès, o segundo cônsul e seu homem de confiança. Cambacérès tinha a função de supervisionar a comissão encarregada do Código, indicando o jurista François Denis Tronchet para coordená-la. A comissão se reuniu mais de 80 vezes para discutir e redigir um texto revolucionário. E Napoleão esteve presente em quase metade dessas sessões.
Código
O código resultante desse trabalho dividiu o direito civil em duas categorias: o da propriedade e o da família. O Código Napoleônico tornou a autoridade do homem sobre suas famílias mais forte e privou a mulher de direitos individuais, reduzindo, igualmente, os direitos de filhos ilegítimos.
A todos os cidadãos masculinos foi garantida a igualdade perante a lei. Ficou assegurado também o direito à dissensão religiosa, porém a escravidão colonial foi reintroduzida. As leis passaram a ser aplicadas em todos os territórios sob o controle de Napoleão e influenciaram diversos países da Europa e da América do Sul.
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Mulheres não se beneficiariam dos mesmos direitos que os homens, foram consideradas ‘civilmente incapazes’
Pelo Código Napoleônico, ninguém que pudesse requerer privilégios devido ao sangue ou ao nascimento nobre. O Estado se separava da Igreja e a liberdade escolher uma profissão independente de laços de sangue também foi garantida.
Para minar a transmissão das terras pelo princípio da primogenitura, os filhos passaram a ter direitos iguais entre si quanto à herança paterna. O casamento passou a ser considerado legal somente frente a um juiz de paz: assim, o casamento deixava de ser um enlace sagrado e passava a ser regulado por um contrato.
Sem a legalidade conferida por um religioso, o casamento se tornou um ato secular regulamentado pelo Estado. O divórcio foi legalizado. Para o Estado e a Justiça, só passavam a valer a lei do próprio Estado, e não mais a “lei de Deus”.
Nas questões familiares, Napoleão, nascido na Córsega, foi profundamente influenciado pela tradição italiana. Como na Roma Antiga, o pai era tudo, o “pai patrão”. Além de tutelar a mulher e a filha, podia encarcerar um filho por seis meses. E se este manifestasse o desejo de se casar, tinha que obter a licença paterna.
Dois terços do código foram reservados à razão de ser do burguês na terra: a propriedade. O Código a libertou a propriedade da lógica feudal e a protegeu do avanço do Estado, considerando-a anterior ao próprio Estado. O cidadão era o indivíduo e seus bens. As obrigações feudais, do vassalo para com o suserano, do servo para com o senhor, foram definitivamente substituídas pela moderna sociedade do contrato, estabelecido entre indivíduos livres, supostamente dotados de autonomia.
O Código Napoleônico foi, assim, a concretização de uma dupla expectativa do Iluminismo: fazer com que as leis fossem submetidas a uma ordenação determinada pela razão, proposição de Montesquieu, e obra de um déspota ilustrado, como esperava Voltaire.
(*) Com informações do site educaterra.terra