Segundo: apesar disso, não se sabe se é possível um chavismo sem Chávez. Com toda sua exuberância e estridência, o processo político local assenta-se quase exclusivamente sobre a legitimidade de seu líder, que se mantém intacta desde 1998. Naquela época, o ex-tenente-coronel elegeu-se com 56,2% dos votos válidos. Em 2012, alcançou 54,42%. Sem ele, o futuro é uma incógnita. O PSUV é um amálgama de interesses díspares, que pode se esfacelar sem o polo aglutinador do assim chamado comandante.
Agência Efe (17/12/12)
Apoiadores do presidente venezuelano, Hugo Chávez, no Estado de Bolívar, cujo governo foi conquistado por um candidato do PSUV
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Quando Chávez se torna candidato e vence as eleições pela primeira vez, ele se coloca diante de uma sociedade esgarçada e sem referências institucionais com credibilidade. Partidos, sindicatos e os próprios órgãos de Estado viram, em um curto período, sua legitimidade se evaporar. Sem alicerces organizativos claros para o exercício mínimo da democracia representativa, é difícil vislumbrar, na Venezuela dos anos 1990-2000, outro caminho que não tivesse na figura de um líder forte a saída para reorganizar a sociedade. Uma figura que exercesse seu papel em linha direta com a população, à falta de instituições que mediassem essa relação, como Congresso, Judiciário, sindicatos, entidades associativas, serviços públicos eficientes, dentre outros.
Há aqui uma distante semelhança com alguns países latino-americanos no século XX. Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54), no Brasil, Juán Domingo Perón (1946-1955), na Argentina, e Lázaro Cárdenas (1934-1940), no México, encarnaram um tipo de liderança personalista e que se legitimava acima das instituições. São chamados de “populistas” na academia. Eram tempos de industrialização acelerada e de migração maciça de milhões de trabalhadores pobres do campo para as cidades.
O populismo é uma expressão própria de sociedades de capitalismo tardio, industrialização e urbanização aceleradas e conseqüentes deslocamentos de grandes contingentes populacionais do campo para a cidade. Esses fatores raramente estiveram presentes nos países de desenvolvimento industrial menos intensivo em espaços de tempo tão curtos, como aconteceu na Europa e nos Estados Unidos.
A liderança populista acabou por dar às massas trabalhadoras que saíam de suas regiões em busca de vida melhor, referências sociais e o próprio sentido de nacionalidade.
Venezuela fragmentada
A Venezuela, em outro sentido, é uma sociedade em transformação. Estão em processo de definição de novos arcabouços institucionais e políticos. O movimento social organizado foi duramente reprimido entre as décadas de 1960-90. Assim, Chávez surge na cena política diante de um país em fragmentado e sem rumo. Aqui está a referência distante com os três exemplos citados. As referências da população se perderam no desastre político e social das duas últimas décadas do século XX.
Agência Efe (15/12/12)
Milhares de venezuelanos tem realizado vigílias pedindo pela melhora de Chávez
Seria possível outro caminho? Pouco provável, diante do quadro colocado. O ex-militar tornou-se não apenas líder, mas o principal e quase único garantidor do processo político em curso no seu país até aqui. É porta-voz central de seu governo, assim como é o grande intelectual, formulador e estrategista das ações de Estado. Não é de se espantar que sua prática tenha, de fato, contornos populistas. É preciso, contudo, lembrar: ninguém é populista porque e quando quer. Isso corresponde a necessidades históricas objetivas.
Por fim, é preciso chamar atenção para um marco distintivo da ação chavista em relação a muitos líderes do continente. Seu populismo tem características progressistas na realidade venezuelana. Ao liderar o processo constituinte, em 2000, e estabelecer novos parâmetros institucionais, Chávez tornou-se o fiador da legalidade e logrou empurrar os setores das classes dominantes que tentaram derrubá-lo para a periferia da atividade política. Se tal ação conseguir construir canais democráticos de participação, sua ação populista poderá, dentro de algum tempo, negar a si mesma.
Dilemas futuros
Esses são, siteticamente, os dilemas da Venezuela. Por força de um tsunami social, a sociedade se esgarçou. A liderança de Chávez deu-lhe novas referências. Não é à toa que a maioria de seus discursos busque traçar um fio de continuidade entre as ações presentes e às de Simon Bolívar, há dois séculos, em sua luta anticolonial. O presidente não apenas tem uma ação política exuberante, como tenta mostrar um sentido histórico no futuro que diz construir. Em outras palavras, cria uma cultura de mudança, através de uma eficiente disputa pela hegemonia na sociedade.
É difícil saber se Nicolas Maduro, que exibiu um desempenho respeitável e eficiente como chanceler, consiga segurar o bastão que Chávez lhe confiou. O problema não é de competência pessoal, algo que o ex-motorista de ônibus parece ter. A questão é saber se o processo político já amadureceu o suficiente para a existência de um chavismo sem Chávez. Não bastam votos, coisas que o pleito de governadores provou existirem. A questão é se já existe uma diretriz política legítima e exercida coletivamente para levar adiante a construção de uma democracia social sem seu protagonista principal.