No programa 20 MINUTOS desta quarta-feira (11/05), o jornalista Breno Altman entrevistou o jurista e filósofo, que também é autor de diversos livros e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Alysson Mascaro.
Na conversa, o entrevistado traçou um panorama da esquerda brasileira que definiu como majoritariamente liberal, “de uma geração perdida em 1964, que perdeu seu ímpeto revolucionário”. Essa esquerda, segundo Mascaro, é reformista, pacifista e foi capturada pelo “republicanismo”.
“É uma esquerda edulcorada, uma esquerda liberal com grupos que enxerga lutas identitárias e as culpa pelo fim da luta revolucionária sendo que são lutas fundamentais e que quem começou a fazer acordos foram os sindicatos em busca de aumentos salariais. A plataforma da esquerda liberal é econômica, mas como realiza essa disputa? Funciona como um disco quebrado, disputando apenas dentro do capitalismo, sem romper com ele”, criticou.
O jurista reiterou que o problema é o capitalismo do Brasil em geral, “não a Globo” ou determinadas privatizações. “As esquerdas estão dentro do Capital e, portanto, estão erradas de ponta a ponta. Não salva ninguém”, enfatizou.
Por outro lado, Mascaro enxerga possibilidade de superação dessa tendência, mas, indaga: “a esquerda fará isso?”. Em sua opinião, grande parte dos setores progressistas não sabem nem diagnosticar o problema para poder superá-lo. Sem falar que a vanguarda intelectual que lidera as esquerdas é formada por um padrão que concorda com o capitalismo estadunidense.
“O que inspira as esquerdas do Brasil é exatamente um quadro ideológico que não foi abalado por 2016, que aguentou calado e no primeiro momento que pode falar fala igual, fala em fazer acordos e tomar a legalidade. O mesmo discurso de há 50 anos. Minha esperança é que em algum momento percebamos que a conta não fecha”, refletiu.
Mascaro defendeu que a tão prezada legalidade não é suficiente e é apenas ilusória. Lembrou que, em teoria, o Brasil está proibido de retroceder em conquistas da Organização Internacional do Trabalho e da Consolidação das Leis do Trabalho, mas “deram um golpe, acabaram com tudo e onde estavam os tribunais?”.
Essa é a percepção que a esquerda, “antimarxista”, deve ter: “o que está em cheque é se o marxismo será aceito pela esquerda do Brasil ou do mundo. Falta análise de capitalismo, falar que o capitalismo é o problema e que socialismo é a solução, para pelo menos chegar ao nível da Bolívia e da Venezuela — que não fizeram quase nada, mas pelo menos não têm vergonha de se dizer socialistas”.
Ser rupturista, contudo, não significa que as esquerdas devam deixar de participar da institucionalidade e disputar eleições, por exemplo. Até porque, de acordo com o jurista, “ela não tem outra opção”.
“O espaço político é facultativo, mas o espaço econômico não e ele determina o anterior. O Estado, portanto, é um movimento econômico do capital. Quando a esquerda decide que não quer participar, parece que ela se torna pura ou algo, mas na verdade significa que ela jamais entendeu que não tem a opção de viver fora do Estado de direito econômico. Estamos mergulhados na institucionalidade do capital, não tem jeito de não aceitar a cooptação do Estado. A única alternativa é romper com tudo. Não é lutar para enfiar um dedo para afastar a mão que enforca e se contentar com isso, é para tirar a mão”, explicou.
Restituição e ruptura da ordem
Por falar em eleições, Mascaro discordou da leitura atual de que o que está em jogo é a restauração da ordem jurídico-política fixada pela Constituição de 1988 e rompida por Bolsonaro. Para ele, a constituição de 88 não representa um estágio superior da política nacional. Pelo contrário, trata-se, apenas de uma metamorfose de 1964, construída no mesmo processo de consolidação do capitalismo brasileiro, “não é igual a 64, mas não é sua superação, nem é seu oposto”, ainda que Bolsonaro retome, realmente, “uma certa franja do arcabouço de 64”. Isso, segundo ele, só acontece porque em nenhum momento o golpe foi efetivamente enfrentado.
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Mascaro avalia que forças progressistas majoritárias nada aprenderam com golpe de 2016 e continuam capturadas pelo ‘republicanismo’
Assim, mesmo vencendo as eleições, “a institucionalidade não terá condições de lograr êxito porque é um processo provisório de domínio de classe”. Ele definiu a Constituição brasileira como um documento excelente para manter os negócios do capital “sem encher o saco da burguesia” — mesmo assim, os programas sociais do PT foram o suficiente para incomodá-la a ponto de nem isso mais bastar, e um golpe ser feito para que as normas de 1964 fossem retomadas.
Aliás, o jurista alertou para a possibilidade de um novo golpe caso o PT volte a assumir o governo, ainda que, segundo ele, o programa do partido não apresente nada novo, não oferece novos horizontes e não incorpora as massas.
“A esquerda tem qual programa para desmontar o domínio do capital? Deveria oferecer um programa que não se limita a ser um soluço de quatro anos. Precisa mobilizar a sociedade, limpar o pó para demarcar terreno. E qual movimento está sendo feito? Não vejo nenhum”, frisou.
Mesmo assim, Mascaro declarou sua intenção de voto a Lula, já que “é duro ser contra” a única força de oposição a Bolsonaro.