A criação de um Estado palestino é inviável, segundo a historiadora especializada em Oriente Médio, Arlene Clemesha, e a comunidade internacional precisa reconhecer Israel como um Estado de apartheid, que suprime direitos da população palestina do país. Em conversa com o jornalista Breno Altman no programa 20 MINUTOS desta terça-feira (29/11), a professora de história e cultura árabe na USP caracterizou o Estado fundado em 14 de maio de 1948: “Israel controla todo o território, mas não concede direitos iguais aos palestinos. Nos territórios, existe um sistema militar de ocupação. As leis de emergência criadas pela Inglaterra antes de 1948 estão vigentes em Israel, não só na Cisjordânia. É um apartheid específico, não é exatamente o da África do Sul, mas é um sistema de segregação”.
A especialista afirma que o princípio da binacionalidade, que criaria um estado judeu e outro palestino na região, jamais interessou a Israel. Criada pelos Acordos de Oslo, firmados em 1993 pelo governo israelense e pela Organização de Libertação da Palestina (OLP), a Autoridade Nacional Palestina surgiu com o direito de administrar enclaves palestinos em Israel, mas jamais para se tornar um governo autônomo: “Criou-se a Autoridade Palestina para que fizesse o serviço de segurar a militância palestina, que era um problema para Israel, e permitir enquanto isso o avanço da colonização. Israel não quer ter cidadãos palestinos em número cada vez maior dentro de suas fronteiras, porque teria que dar direito de voto, e se houver mais palestinos votando que judeus vai mudar o governo”.
Na avaliação de Clemesha, Israel é um Estado em permanente expansão, que nunca aceitou nem demarcou fronteiras, mas não assume que controla todo o território porque não quer assumir para si a população palestina. “Foi a maneira de criar um queijo suíço e colocar um agente controlando essa população e facilitando o projeto exclusivista de um Estado judeu, não assumidamente em todo o território, mas de fato em todo o território”, explica.
“A ocupação praticamente já cortou o norte do sul. Tem 600 mil colonos dentro da Cisjordânia que não vão sair, não tem como criar um Estado palestino em 22% de Israel”, acrescenta Clemesha.
A professora refere-se ao Plano de Partilha da Palestina, aprovado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 29 de novembro de 1947. Inicialmente, 53% do território partilhado seriam destinados a 700 mil judeus e 47%, a 1,4 milhão de árabes palestinos já estabelecidos na região. A Liga Árabe, formada por Egito, Jordânia, Líbano e Síria, rejeitou a partilha, e teve início a primeira guerra árabe-israelense, cujo armistício, em 1949, estipulou que 78% do território ficaria sob controle de Israel.
Historiadora especializada em Oriente Médio, Arlene Clemesha, é convidada de Breno Altman no 20 MINUTOS desta terça-feira (29/11)
A fundação do Estado de Israel teve propósitos colonialistas desde o princípio, diz a historiadora. “O movimento sionista se aliou à cúpula do establishment político britânico para favorecer sua transferência para a Palestina. A ideia era transformar a Palestina em base para o desenvolvimento do nacionalismo judeu. Não havia uma perspectiva de coabitação com os árabes. Não era construção conjunta, era uma visão europeia, exclusivista”, explica. “Toda vez que uma colônia agrícola era criada, ela expulsava os palestinos da terra.”
Segundo Clemesha, os palestinos fazem pouca diferença entre matizes de esquerda e de direita nos governos israelenses. “Israel de fato foi criado e governado até 1967 pela esquerda trabalhista, que foi e é colonizadora e preparou o espaço para a direita fascista que hoje governa Israel”, avalia. A volta ao poder do primeiro-ministro (ainda não empossado) Benjamin Netanyahu, desta vez em coalizão com a extrema direita liderada por Itamar Ben-Gvir, fortifica o Estado de apartheid, afirma.
“Nenhum país do mundo poderia aceitar e reconhecer esse novo governo. É um governo fascista, de implementação de uma ideia de superioridade, exclusivismo, expulsão e morte dos árabes”, classifica a professora, reivindicando um posicionamento da comunidade internacional em favor dos direitos palestinos.
“O maior fenômeno não é Netanyahu voltar. É o grupo do sionismo religioso extremista que está nessa coalizão”, lamenta. “Seria necessária uma não-aceitação dessa aliança e desse governo”.
Clemesha projeta qual deveria ser o posicionamento do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva diante da questão palestina: “A postura mais genuína de um país como o Brasil, que é amigo de Israel e dos palestinos, é dizer que esse amigo que é Israel incorre numa série de práticas antidemocráticas, que precisam ser condenadas. Qual é o problema de, numa votação na ONU ou na Unesco, condenar essas práticas, exigir e atrelar condicionantes para Israel em acordos comerciais, em relação aos direitos palestinos?”.
A professora compara a figura do primeiro-ministro israelense com a do presidente brasileiro Jair Bolsonaro: “Netanyahu já era antes de Bolsonaro ser, e agora é explicitamente a direita fascista. Declarar que isso é assim é o primeiro passo de responsabilidade internacional perante a ascensão da extrema direita no mundo”. Arlene Clemesha faz uma advertência final: “Se não parar o que está acontecendo em Israel, não vai parar o que está acontecendo no mundo, e o Brasil também vai sofrer as consequências”.