No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta segunda-feira (12/07), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, analisou as causas dos protestos em Cuba, que começaram no dia 11 de julho, ganhando repercussão internacional.
“O bloqueio estadunidense fomenta problemas e protestos em Cuba, então, além de evitarmos as informações e análises tóxicas da imprensa pró-Estados Unidos, é fundamental entendermos, também, que a situação cubana diz respeito a todos os povos”, disse Altman.
No último domingo, entre 200 e 400 pessoas, segundo os próprios manifestantes, ocuparam o centro de San Antonio de los Baños, a partir de uma concentração na praça da Matriz, “com apoio importante de grupos opositores ao governo”.
Os manifestantes não tinham pauta definida de reivindicações, mas gritavam diversos slogans de contrariedade com as dificuldades econômicas e sociais, além de repetirem reclamos genéricos por “liberdade” e o “fim da ditadura”.
A passeata pode transcorrer sem repressão policial. Um vídeo de 49 minutos, exibido pelo canal 14ymedio, controlado pela oposicionista Yoani Sánchez, mostrou algumas centenas de ativistas caminhando e gritando sem interferência de nenhuma espécie.
As imagens rapidamente se espalharam pelas redes sociais, estimulando outros grupos a atuarem do mesmo modo. Organizações da oposição cubana, sediadas em Miami, afirmam que as mobilizações alcançaram mais de 15 cidades. Os registros do governo cubano apontam para 8 municípios, incluindo Havana.
“A imprensa de direita, mundo afora, tratou de colocar em suas manchetes e títulos que ‘milhares de cubanos’ teriam protestado contra o governo. Mesmo uma soma generosa à oposição não alcançaria dois ou três mil participantes. A imprensa cubana paulatinamente foi noticiando os fatos e as respostas do governo”, relembrou o jornalista.
O presidente Miguel Díaz-Canel, no comando do Partido Comunista desde abril, rapidamente se moveu para o olho do furacão, visitando San Antonio de los Baños e dialogando com os manifestantes. “Os protestos na cidade rapidamente se esvaziaram”, disse Altman.
Situação em Havana
“A situação mais drástica foi enfrentada na capital, quando um grupo ao redor de cinquenta militantes oposicionistas, a caminho do Malecón, a avenida costeira de Havana, parou diante da sede do Instituto Cubano de Rádio e Televisão, tentando invadi-la. A polícia defendeu o prédio, sem armas de qualquer tipo, detendo os manifestantes que atiravam pedras ou desacatavam a ordem policial”, narrou Altman.
Na ocasião, Díaz-Canel falou aos veículos de comunicação quando os protestos ainda estavam em curso. Ele reconheceu as dificuldades pelas quais passa o país, provocadas pelo recrudescimento do bloqueio norte-americano desde Trump e pela dura recessão provocada pela pandemia, particularmente com a queda da receita do turismo.
Afirmou que muitos dos manifestantes eram revolucionários que estavam confusos ou desesperados com a situação, “mas destacou que grupos historicamente financiados pelos EUA atuavam para aproveitar o momento difícil e tentar desestabilizar o sistema socialista”.
“Muita dessa atividade ocorria nas redes sociais, inflada desde o exterior e com a ajuda dos aliados internacionais da oposição cubana”, ressaltou o jornalista.
Díaz-Canel também salientou os esforços de seu governo em normalizar a situação, especialmente a escassez de produtos básicos, com absoluta prioridade ao combate contra o coronavírus, apontando que o bloqueio radicalizado, “e mantido intacto por Joe Biden”, agrava muitíssimo todos os problemas.
“Fez um chamado à paz e ao diálogo. Deixou bem claro, no entanto, que a revolução cubana irá se defender contra quaisquer agressões, internas ou externas. Mesmo que a ordem expressa seja evitar repressão ou violência, mantendo os aparatos estatais longe de qualquer confrontação, convocou os revolucionários e os militantes comunistas a ocuparem as ruas do país”, enfatizou.
Assim, várias manifestações, em rechaço aos protestos da manhã de domingo, aconteceram de forma pacífica no próprio domingo à tarde. “No início da noite, os protestos estavam encerrados, mas uma forte tensão permanece no ar”, defendeu Altman.
Consequências do bloqueio
Durante o programa, o jornalista também explicou como o bloqueio econômico à ilha tem gerado graves consequências para o povo cubano, desencadeando movimentos de descontentamento e protestos contra o governo.
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Governo cubano reage democraticamente às manifestações ocorridas neste domigno (11/07)
“O recrudescimento do bloqueio, com as decisões adotadas pelo governo norte-americano a partir de 2017 e continuadas pela atual gestão, afetou intensamente a economia cubana, retirando-lhe entrada de divisas e fontes de crédito. Um dos principais reflexos negativos foi no fornecimento de energia, também agravado pelas sanções aplicadas contra a Venezuela”, contou.
Segundo ele, por conta disso, o governo viu-se obrigado a suspender energia elétrica por algumas horas em várias localidades, tentando poupar as cidades maiores. “Essa é a principal explicação material do primeiro protesto ter sido em uma cidade pequena como San Antonio de los Baños, afetada por seguidos apagões, em uma época do ano em que o calor ultrapassa os 40 graus”, argumentou.
Altman também mencionou a escassez de produtos, originada centralmente das sanções norte-americanas, que, além de dificultar o cotidiano das famílias, acaba por impulsionar um mercado paralelo inflacionado.
“Além do mais, uma parte da população acabou de perder os benefícios do peso conversível, com a decisão do governo de unificar as moedas cubanas, acabando com a mais grave disparidade social gerada no período pós-soviético, quando o grande objetivo era a obtenção de divisas em euro ou dólar”, argumentou.
Para o jornalista, a pandemia tornou o cenário ainda mais drástico, com o fechamento de Cuba ao turismo internacional, “reduzindo ainda mais a entrada dólares e euros na economia, exatamente em uma etapa na qual o governo deveria direcionar prioritariamente recursos à luta contra o novo coronavírus, incluindo o desenvolvimento, a fabricação e a distribuição tanto de vacinas quanto de remédios que aliviassem os sintomas da doença, para não falar em leitos e equipamentos hospitalares”.
Cuba teve uma queda de 8,3% em seu Produto Interno Bruto em 2020, o que obrigou o país a cortar em 30% todas as importações. Como importa cerca de 50% de toda a gasolina, de toda a comida e de outros produtos vitais que consome, o resultado acabou sendo escassez e longas filas para produtos básicos, de comida a remédios.
Pandemia de covid-19 em Cuba
Por outro lado, “mesmo nessa situação alarmante, Cuba se destacou como uma das melhores performances sanitárias durante a pandemia. É o único país latino-americano com vacinas próprias, com uma delas, já liberada para aplicação em massa e ótimos resultados”, ressaltou.
Com uma população de 11.33 milhões de habitantes, a ilha teve 238.491 casos de covid-19 até 11 de julho, com 1.537 mortes. Na proporção populacional, seria como se tivéssemos, no Brasil, 4.441.448 casos e 28.624 mortes. Ou seja, 23,27% dos 19.089.940 casos e 5,36% das 533.546 mortes registradas.
Altman, ponderou, entretanto, que a reabertura de Cuba ao turismo, a partir de janeiro, mesmo de forma controlada, levou a uma nova onda de transmissão, muito potente a partir de junho, quando a vacinação ainda se concentrava em Havana.
“O presidente Díaz-Canel reconhece a legitimidade das reivindicações e do mal-estar social, evitando discursos de criminalização ou a adoção de medidas repressivas. Tem assumido compromissos de enfrentar e resolver os problemas, mas sem abdicar de expor à população a verdadeira situação de guerra à qual os Estados Unidos submetem a nação, em todas as frentes”, explicou.
O mandatário enfatiza, acima de tudo, a denúncia contra a estratégia seguida por Trump e Biden: “aproveitar o estrangulamento da economia venezuelana para apertar o garrote também sobre Cuba, impedindo seu desenvolvimento, provocar situações de escassez, particularmente durante a pandemia; criar a base material para que possam eclodir movimentos como os de domingo; financiar grupos e redes para incentivar esses movimentos; unificá-los sob uma bandeira que abra espaço à ação internacional, no caso, a bandeira de ‘intervenção humanitária’, um tema que apareceu com força nos protestos”.
“Ao mesmo tempo em que o governo e o Partido Comunista atuam para minorar os problemas da população, acatando reivindicações e buscando soluções, há uma orientação estratégica para defender a soberania nacional, o Estado e o socialismo frente aos ataques inimigos coordenados pela Casa Branca”, discorreu Altman.
Para, talvez este seja o maior desafio enfrentado pela liderança cubana desde 1994, quando a oposição interna e externa, em plena crise do desmantelamento da União Soviética, também animou uma onda de protestos, esvaziada pela pronta ação de Fidel Castro e seus companheiros.
“Somente a ampliação da luta contra o bloqueio, no mundo todo e especialmente dentro dos Estados Unidos, é capaz de chegar a uma solução que salvaguarde a autodeterminação do povo cubano, no rumo que reiteradamente escolheu desde 1959”, concluiu.