No programa 20MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (03/08), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, falou sobre o bandeirante Borba Gato, que ganhou especial relevância após ser incendiada a estátua em homenagem a esse personagem, no dia 11 de julho.
O grupo responsável pela ação, o Revolução Periférica, e seus apoiadores alegaram que Borba Gato é o símbolo do caráter opressor e escravista dos bandeirantes. Entre outras funções, seria um caçador de índios e negros para servir como mão de obra cativa à disposição dos senhores da terra. No curso dessa atividade, teria cometido crimes bárbaros e violentos, incluindo estupros.
Mas não demoraram para surgir vozes que, além de criticarem a ação contra o monumento em homenagem ao bandeirante, defenderam seu papel histórico, isentando-o das acusações proferidas por seus críticos ou até mesmo conferindo a Borba Gato e seus pares um certo ar progressista por terem expandido as fronteiras coloniais portuguesas e, portanto, o território brasileiro.
Altman retomou essa polêmica, explicando quem era Borba Gato, criticando aqueles que defenderam a estátua do personagem e contestando o ponto de vista dessas mesmas pessoas, como o jornalista Eduardo Bueno, do canal Buenas Ideias, no YouTube: “Ele subiu um vídeo, aparentemente excluído nos dias seguintes, defendendo a estátua, ironizando o grupo que a queimou e advogando em favor de Borba Gato, praticamente afirmando que haveria provas de suas relações amistosas com tribos indígenas”.
“A meu juízo, suas conclusões derivam de uma metodologia sem pé nem cabeça, de uma pesquisa feita nas coxas e, fundamentalmente, de valores ideológicos bastante reacionários”, argumentou.
O fundador de Opera Mundi ponderou que, para falar de Borba Gato e sua trajetória, não se deveria descolar seus feitos e malfeitos de sua época e classe à que pertencia, “analisando-o como se estivéssemos em um desses programas policiais de televisão ou em uma mesa redonda de futebol”.
“A divulgação histórica, muito importante para ampliar o acesso popular ao conhecimento, não pode ser pretexto para a frivolidade e a desinformação. Borba Gato é filho de seu tempo, das classes sociais de seu tempo, do modo de produção de seu tempo, da geografia e da política de seu tempo. Mais de 300 anos depois de sua morte, afinal, o que temos são relatos históricos, não processos criminais detalhados, com provas anexadas aos autos”, defendeu.
Omissão fraudulenta
Altman também criticou Bueno por esconder quem é o historiador Bento Furtado, citado no video por seu relato de que Borba Gato teria vivido entre um povo indígena, supostamente os Mapaxó, “como um respeitado cacique”, apresentando essa referência como prova de que o personagem não teria comprometimento com o genocídio dos povos originários.
O apresentador do 20 MINUTOS destacou que esse testemunho estaria contaminado por ser do filho “de um dos mais notáveis e violentos bandeirantes, o coronel Salvador Fernandes Furtado”, originário de Taubaté, no Vale do Paraíba, em São Paulo, que migrou a Minas Gerais em busca de ouro e fundou a cidade de Mariana.
“Eduardo Bueno não apenas omite quem é Bento Furtado, como desconsiderou estudos críticos, preferindo se ater à historiografia oficial, aquela que foi produzida no último século a mando e a soldo da burguesia paulista”, ressaltou Altman.
Os bandeirantes
Para falar de Borba Gato, Altman reforçou a necessidade de retomar quem eram os bandeirantes, grupo “histórico-social ao qual ele pertencia por vínculos de ação e laços de parentesco”.
Segundo o jornalista, o termo foi criado pelas elites paulistas a fim de gerar uma imagem positiva das classes emergentes, os antigos capitães do mato a serviço do latifúndio, da escravidão e do colonialismo.
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Para Altman, para falar de Borba Gato, não se deve descolar seus feitos e malfeitos de sua época; veja vídeo na íntegra
“Afinal, parte dessas novas elites latifundiárias e burguesas, já no século 20, eram diretamente descendentes dos ‘bandeirantes’, pois muitos fizeram fortuna, receberam cargos de poder ou foram aquinhoados com dotes de terra, ou simplesmente os tomaram na mão grande e registraram em cartórios a seu dispor”, relembrou.
Por isso, nessa lógica, os bandeirantes deveriam ser vistos como “heróicos desbravadores, homens de bem, construtores da brasilidade, de fino trato e elevada cultura”.
Historiadores como Afonso d’Escragnolle Taunay, filho do Visconde de Taunay, diretor do Museu Paulista, atualmente Museu do Ipiranga, de 1917 a 1946, contribuíram para “reconstruir o passado a serviço do presente e em favor de sua classe”.
Assim, Borba Gato, nascido em 1649, na cidade de São Paulo, e falecido em 1718, no município mineiro de Sabará, ganhou estátuas, inspirou outros monumentos relevantes e os bandeirantes emprestaram seus nomes a ruas, praças, avenidas e estradas.
“Até o presente, as elites paulistas mantêm o culto aos bandeirantes, os ascendentes das famílias ‘quatrocentonas’ e ricas que controlam o grosso da economia e do poder político do Estado. O desejo de passar o pano era tão obsessivo que até o figurino dos bandeirantes foi refeito”, enfatizou Altman.
No entanto, na realidade, os bandeirantes foram sertanistas que, a partir do século 16 até o 18, a mando do poder colonial português, desbravaram o interior da América do Sul buscando riquezas minerais, aprisionando indígenas para trabalho escravo e enfrentando revoltas negros foragidos e quilombolas.
“Eram homens de origem normalmente simples, de pés descalços, sem heranças e legados, que viram nessas atividades uma forma de enriquecimento, de acesso à propriedade da terra, de escravos, de minérios e de poder político. De certa forma, foram por dois séculos o braço armado, miliciano, do poder colonial e dos grandes latifundiários”, afirmou o jornalista.
Ele reconheceu que os bandeirantes contribuíram efetivamente para a expansão territorial do Brasil, além das fronteiras determinadas pelo Tratado de Tordesilhas. No entanto, nessa epopeia, “foram responsáveis pelo assassinato de centenas de milhares de índios e negros”.
Assim, ao ascender socialmente, os bandeirantes “vieram a se incorporar às elites agrário-escravocratas, sempre servis ao poder colonial que os recompensava com títulos e dotações de terra, além de poderem roubar à vontade na prestação de contas a seus senhores”.