No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (22/03), busquei refletir sobre uma questão que vem assombrando a muitos: Jair Bolsonaro pode virar o jogo eleitoral?
O ex-capitão segue com um aparente teto de 30% das intenções de voto nas pesquisas, o que poderia indicar a uma vitória inevitável de Lula. Mas a distância entre ambos se estreita um pouco, com o derretimento da terceira via. Estaria Bolsonaro condenado à derrota?
Acredito que seria muita ingenuidade imaginar que o jogo de outubro está jogado, com Bolsonaro fora do páreo.
Há uma profunda exaustão política, econômica, social, moral e psicológica entre as massas, um potente sentimento antissistema, que ainda pode ser capturado por Bolsonaro apesar da pandemia e da crise. Lula e o PT poderiam se ver em maus lençóis se não vierem a disputar com unhas e dentes esse sentimento, defendendo uma clara alternativa democrática e popular contra o bolsonarismo e o neoliberalismo.
Analisemos o quadro eleitoral: estável desde dezembro, vemos que Bolsonaro parou de cair, recuperando-se ligeiramente, de acordo com o Ipespe.
No que diz respeito às intenções de voto no primeiro turno, Lula começou com 44% nas duas primeiras e ficou com 43% nas duas últimas, enquanto Bolsonaro iniciou com 24%, manteve esse patamar na segunda pesquisa, subiu para 26% na terceira e alcançou 28% na quarta. Ciro Gomes e Sergio Moro sempre estiveram entre 8 e 9%. Dória, entre 2 e 3%.
O segundo turno começou com Lula vencendo Bolsonaro por 53 a 31%, depois passou a 54 x 30%, 54 a 32% e 53 a 33%. A diferença na primeira pesquisa era de 22 pontos, na segunda de 24, na terceira retornou a 22 e na quarta caiu a 20 pontos.
Lula pode já ter alcançado praticamente seu teto no primeiro turno, com um número semelhante ao de sua performance em 2002 e 2006. Enquanto isso, Bolsonaro parou de cair, mas não reduz a rejeição, embora tenha reconquistado eleitores que estavam indecisos. Já a terceira via não decola.
Bolsonaro estaria melhorando sua posição no grid de largada por conta da liberação de verbas em benefício de determinadas camadas sociais – através do Auxílio Brasil, do vale gás e outros semelhantes – e também porque o ativismo de sua base nas redes sociais estaria se intensificando.
Lula, por sua vez, não teria obtido, até o momento, nenhum ganho eleitoral com seus movimentos ao centro, especialmente com a possiblidade de Geraldo Alckmin ser seu vice. Talvez esse deslocamento tenha atrapalhado articulações da terceira via, mas não afetou o eleitorado.
Desafios e estratégias
Os desafios dos dois principais candidatos são opostos.
Lula se movimenta para ser um candidato de união nacional contra Bolsonaro, tentando reduzir o antipetismo e encurralando o atual presidente em seu núcleo de eleitores duros, de preferência liquidando a parada no primeiro turno. A baixa densidade de votos dos aliados de centro-direita, no entanto, aparentemente torna essa hipótese pouco provável.
Até agora, Lula tem os votos que teria se a esquerda competisse em chapa pura, em mais uma demonstração que os velhos partidos e lideranças burguesas, que comandaram o golpe de 2016, passaram a ser quase irrelevantes em disputas presidenciais, com o país polarizado entre a esquerda e a extrema direita.
Isac Nóbrega/PR
Ex-capitão segue com um aparente teto de 30% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais
Bolsonaro, por sua vez, entrou em 2022 preocupado com a possibilidade de uma candidatura de direita da terceira via, como a de Moro, fosse capaz de retirá-lo do segundo turno contra Lula. Moveu-se para bloquear essa hipótese, em uma disputa dura pelo voto mais conservador e antipetista. Tudo indica que será bem-sucedido nesse objetivo.
Seu grande problema é a elevadíssima taxa de rejeição. As pesquisas mostram, até o presente, que a maioria dos eleitores se deslocou, desde 2018, do antipetismo para o antibolsonarismo.
Resolvida a disputa dentro da fração mais à direita, Bolsonaro precisa reunificar o voto conservador e atrair setores populares mais despolitizados. Iremos assistir uma forte expansão das verbas públicas rumo aos mais pobres para que essa segunda tarefa seja executada pela extrema direita.
Quanto a primeira tarefa, Bolsonaro tende a repetir os movimentos de 2018, radicalizando seu discurso e forçando a máxima diferenciação com Lula e o PT, tentando constranger o eleitor conservador médio a uma escolha entre Deus e o Diabo.
Por sua vez, Lula e o PT estão em uma encruzilhada: estender a política centrista de alianças também para o programa e o discurso, moderando-os, o que reduziria a distância entre Deus e o Diabo, ou fazer uma campanha de guerra popular, radicalizando a polarização inclusive em termos programáticos, o que poderia levar a atritos com aliados de centro-direita, mas tenderia a incendiar sua base social e sua militância, para conter a agressiva ofensiva da extrema-direita nas redes e nas ruas.
Terceira via e a burguesia
Quanto à terceira via, a principal constatação é que os candidatos desse difuso espaço do nem-nem – nem Lula, nem Bolsonaro – estão afundados em um pântano.
O setor da burguesia que gostaria de ver o fortalecimento de Moro ou João Dória, por exemplo, dá sinais de que logo jogará a toalha. Parte importante desse segmento começa a considerar irreversível a vitória de Lula e opera para disputar os rumos de seu eventual futuro governo, através das alianças e da ação dos meios de comunicação. Outra parte, movendo-se pela mesma conclusão, prepara-se para organizar uma poderosa oposição de direita depois de 2023, recompondo o campo conservador e tentando afastar Bolsonaro de seu comando.
Mas é preciso estar atento: se Bolsonaro continuar a dar sinais de recuperação, ainda que a conta-gotas, frações relevantes da burguesia que dele se desligaram poderão se reaproximar, tentando um novo pacto conservador e antipetista.
A burguesia não esteve disposta a chancelar o projeto bonapartista do atual presidente e a mudança do regime político. Mas o triunfo de Lula e do PT é uma perspectiva que provoca também muita tensão: se Bolsonaro cresce nas pesquisas, setores ora dissidentes da burguesia poderiam entregar seu apoio em troca de uma acomodação política da extrema-direita.
Cometeria um erro brutal, indutor de um desastre ferroviário, quem considerasse ser a melhor tática, para Lula e o PT, jogar parado, matando o tempo e esperando as urnas.
Apenas a narrativa contra o ex-capitão, pela recuperação democrática, pode ser insuficiente para o retorno da esquerda ao Planalto, embora essa opção torne mais fácil o movimento de alianças rumo à centro-direita.
Possivelmente seja imprescindível que o líder histórico do petismo mostre cada vez mais clareza, programa e determinação para conduzir um processo radical de transformação e refundação do país, fazendo desse compromisso a referência para um campanha eleitoral como jamais vimos antes, sustentada pela mobilização e a organização das forças populares.