No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (07/09), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, refletiu sobre o nacionalismo no Brasil. Nos últimos anos, o termo foi apropriado pelas forças de direita, fortemente identificados com a camiseta verde e amarela, a bandeira e símbolos nacionais, enquanto a esquerda fez do vermelho sua identidade contraposta. Por isso, o jornalista se perguntou se o campo progressista deveria ser ou não nacionalista, questionando se há um único nacionalismo.
“A direita defende uma nação mitológica, muitas vezes fundida ao fundamentalismo religioso – Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. As elites fizeram do Brasil um ‘puxadinho’ da ordem neocolonial. Dos bandeirantes caçadores de escravos à ditadura militar de 1964, todos são fatos que orgulham e são reivindicados pelo reacionarismo. Por outro lado, a esquerda defende todos os grupos sociais vilipendiados desde a colonização”, citou.
Essa lógica aponta para uma dupla situação de exploração, de acordo com o jornalista. A primeira, interna: as classes proprietárias submetem a maioria do povo, especialmente as classes trabalhadoras, com todos os seus componentes de opressão racista e patriarcal. A segunda, externa, isto é, de subordinação do desenvolvimento nacional aos interesses de Estados coloniais e imperialistas ao longo da história.
Como consequência, historicamente, as classes dominantes sempre “funcionaram como sócias minoritárias do sistema de acumulação capitalista. Nasceram e se reproduziram a partir das concessões coloniais a cidadãos portugueses que, com o tempo, se fizeram brasileiros”, disse.
“Há uma linha de continuidade, jamais rompida, entre os donatários do século XVI e as modernas elites econômicas de hoje, particularmente as do agronegócio e dos latifúndios. Para essa gente, a nação nunca passou de um território no qual ganham dinheiro em associação com os centros colonizadores e imperialistas. Desprezam e odeiam o povo brasileiro, ancorados em um racismo ancestral. Aos seus olhos, o Brasil sempre foi uma fazenda, a sua fazenda. O povo, os seus escravos”, defendeu Altman.
Ele relembrou que, ao contrário do que ocorreu em outros países, as classes dominantes brasileiras jamais tiveram um papel revolucionário, anticolonial ou anti-imperialista. Assim, segundo ele, “a própria independência é uma fraude”.
“Embora tenha havido dissidências anticoloniais entre as classes dominantes, incluindo levantes e rebeliões, o fator dominante foi uma transição por cima, dentro da própria monarquia portuguesa, quando o sistema colonial perdeu funcionalidade tanto para as elites brasileiras quanto para a enfraquecida coroa metropolitana”, enfatizou.
Altman destacou o Tratado do Rio de Janeiro como episódio simbólico de seu argumento. Assinado em 29 de agosto de 1825, foi o momento em que Portugal finalmente reconheceu a autonomia brasileira, mas sob pressão britânica e após serem fixadas indenizações a serem pagas tanto à coroa portuguesa quanto aos portugueses que eventualmente tivessem terras confiscadas no Brasil.
“As mudanças de regime político simplesmente representavam, ao mesmo tempo, uma resposta das elites a pressões populares e uma autorreforma que preservasse os mesmos interesses materiais das mesmas classes proprietárias de sempre. Nenhum episódio relevante – como a Guerra do Paraguai ou a proclamação da República – teve a ver com a questão nacional, que servia apenas de pretexto e narrativa para buscar apoio popular aos movimentos das classes dominantes fundadas pelas relações escravistas-coloniais”, reforçou.
‘Bandeira brasileira é uma farsa’
“A própria bandeira brasileira é uma farsa. Nos últimos 120 anos, desde a proclamação da República, suas cores foram apresentadas como o verde de nossas matas, o amarelo de nosso ouro e o azul de nossos céus e mares”, denunciou Altman.
Citando as obras de Mary Del Priore e Clóvis Ribeiro, Altman contou que o verde da bandeira, é, na verdade, uma alusão à Casa de Bragança, a dinastia portuguesa. O amarelo remete à Casa de Habsburgo, origem da Imperatriz Leopoldina.
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Protesto contra impostos com o pato amarelo da Fiesp em 2016: elites colocaram Brasil como ‘puxadinho’ da ordem neocolonial, diz Altman
“Essas cores estavam presentes na bandeira imperial e continuaram vigentes na republicana. Querem símbolo maior da continuidade sem ruptura? A bandeira brasileira, da República Federativa do Brasil, é composta pelas cores de casas monárquicas! Uma delas, os Bragança, diretamente responsável pela colonização do país!”, ressaltou.
Para ele, as cores ditas nacionais deveriam ter sido abolidas e substituídas há muito tempo “se tivéssemos efetivamente sido capazes de conquistas nossa efetiva independência nacional e a construção de uma república democrática”.
Esquerda nacionalista
Altman diz que, atualmente, o nacionalismo burguês não passa de “história para boi dormir”, como fica claro com o bolsonarismo “em seu neofascismo entreguista e subordinado até o talo ao imperialismo estadunidense”.
“Há muito tempo as classes dominantes brasileira já traíram a pátria, pois nasceram de costas voltadas à ideia de nação. Somente as classes trabalhadoras, no Brasil, são efetivamente patrióticas, pois sua emancipação e futuro dependem de se livrarem, ao mesmo tempo, da exploração interna e da dependência externa”, argumentou.
Dentro dessa lógica, para ele, a esquerda deve ser claramente nacionalista, mas liberta do falso nacionalismo burguês, de suas narrativas e símbolos, associando a questão nacional, a luta pela soberania nacional, com a luta anti-imperialista e anticapitalista.
“A pedra angular de nossos tempos é a luta contra o imperialismo, especialmente contra o imperialismo estadunidense, que ainda comanda o sistema mundial do capital. Sua derrota levaria ao desmoronamento tanto da dominação externa quanto interna, em países periféricos como é o nosso”, explicou.
Por isso, segundo o jornalista, o nacionalismo popular, das classes trabalhadoras, deve ser “profundamente internacionalista”, associando o povo brasileiro a todos os povos, especialmente os latino-americanos, contra um inimigo comum.