No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (27/04), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, analisou a ditadura de Alberto Fujimori, que governou o Peru entre julho de 1990 e novembro de 2000.
Para ele, o regime significou a fusão entre o neoliberalismo e o neofascismo, mas continua representando um perigo para o país. Apesar de estar cumprindo 25 anos de pena na Penitenciária de Barbadillo, em Lima, por corrupção e violação de direitos humanos, o ex-presidente continua a ser um personagem de influência na política peruana. Sua filha, Keiko Fujimori, agora disputa o segundo turno das eleições presidenciais contra Pedro Castillo, candidato de esquerda.
O jornalista retomou o contexto no qual Fujimori chegou ao poder, para explicar a influência que ele segue tendo na nação. “O Peru dos anos 80 vivia uma profunda crise econômica, social e política. O modelo nacional-desenvolvimentista dava claros sinais de colapso. O governo Alan Garcia, da Aliança Popular Revolucionária Americana, histórico partido nacionalista, que fora se deslocando posições mais conservadoras, enterrava o país em um diluvio marcado por hiperinflação, estagnação e derretimento cambial, aprofundando a situação de pobreza entre enormes contingentes da população”, disse.
Garcia tentou enfrentar o grande capital, segundo Altman, mas falhou. Tentando sustentar as despesas estatais, resultado do alto endividamento internacional, o presidente expandiu a dívida pública e emitiu moeda, “levando à completa desorganização da economia, paralisação dos investimentos e desemprego”.
Nesse cenário, cresceram os movimentos guerrilheiros Sendero Luminoso e Movimento Revolucionário Tupac Amaru, concentrados na área rural, negligenciada pelo Estado e vítima das forças repressivas a serviço de ruralistas e empresas mineradoras.
Altman contou que foi sob essas circunstâncias que emergiu Alberto Fujimori: “um medíocre engenheiro agrônomo nipo-peruano, sem qualquer participação política anterior, cujo ápice do prestígio tinha sido a reitoria da Universidade Nacional Agrária e a presidência da Assembleia Nacional de Reitores, além de um programa de televisão com razoável audiência”.
Fujimori tinha um discurso de oposição puro e simples contra todos os partidos e políticos. Ele criou o movimento Cambio 90 e se apresentou às eleições presidenciais de 1990 com o apoio de frações importantes das classes médias, pequenos empresários, setores marginalizados e as igrejas evangélicas.
Do outro lado estava o célebre escritor Mario Vargas Llosa, que contava com a simpatia dos grandes empresários e Estados imperialistas, além do apoio dos partidos de direita.
“Fujimori não fez uma campanha em defesa de ideias e reformas liberais. Sua narrativa eleitoral tinha como temas centrais o combate à corrupção e à guerrilha, além de acenar para medidas genéricas em favor dos mais pobres. O candidato do neoliberalismo era, na verdade, Vargas Llosa”, explicou Altman.
De presidente a ditador
Fujimori ganhou as eleições, mas, logo após a posse, realizou um giro em seu programa e assumiu as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), ao mesmo tempo em que consolidava um pacto interno com os bancos, as mineradoras, o agronegócio, os principais meios de comunicação e os grandes empresários. Assim, o FMI liberou créditos ao país e o investimento estrangeiro começou a impulsionar o crescimento, enquanto os salários caíam fortemente, concentrando ainda mais renda e riqueza.
Altman explicou que ficou conhecido o “Fujishock”: um amplo programa de privatizações, desregulamentação dos controles financeiros e comerciais, desvalorização cambial, troca de moeda, austeridade fiscal e eliminação de barreiras para os investimentos externos diretos, implementado com apenas onze dias de governo.
“Fujimori, diante desse quadro, adotou políticas que pudessem manter o apoio dos setores mais vulneráveis da população, como um fundo de alívio da pobreza da ordem de 400 milhões de dólares e o aumento nominal do salário mínimo, enquanto reformas trabalhistas retiravam poderes do movimento sindical e enfraqueciam as categorias mais organizadas”, agregou o jornalista.
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Alberto Fujimori governou o Peru entre julho de 1990 e novembro de 2000
O presidente, no entanto, não tinha maioria parlamentar e começou a sofrer forte oposição tanto contra sua política econômica quanto contra a escalada repressiva, cujo inimigo declarado eram a guerrilha senderista e o MRTA, segundo apontou Altman.
Mesmo partidos de direita começaram a acolher pressões de setores empresarias, especialmente daqueles segmentos voltados ao mercado interno, que estavam sendo atropelados pela abertura econômica e os tratados de livre-comércio impulsionados por Fujimori.
Por outro lado, ressaltou o jornalista, havia um descontentamento popular contra o Congresso e o presidente ainda contava com o suporte dos principais grupos econômicos e de comunicação, além das Forças Armadas.
Foi nesse cenário em que, após ter dois pacotes legislativos barrados – um que impulsionaria ainda mais as reformas liberais e outro que aumentaria os poderes de repressão do Estado -, Fujimori realizou um auto-golpe.
Tirania neoliberal
A ditadura de Fujimori começou oficialmente em 5 de abril de 1992, quando foi anunciada a dissolução do Congresso, a reorganização do sistema de justiça e a concentração de todos os poderes do Estado nas mãos do governo nacional.
“Uma verdadeira tirania neoliberal, estabelecida por dentro do Estado, a partir do próprio governo, utilizando-se de mecanismos constitucionais duvidosos, que davam o direito do presidente dissolver o Parlamento em certas circunstâncias, desde que convocasse eleições antecipadas, o que não ocorreu”, argumentou Altman.
Segundo ele, Fujimori, além de relativo apoio das elites internas, contou com a apatia colaborativa dos Estados imperialistas e dos demais governos neoliberais da região, cuja única exigência era que o ditador marcasse data e processo para a normalização institucional.
Fujimori acabou convocando eleições para um Congresso Constituinte em novembro de 1992, para estabelecer uma nova Constituição, ainda hoje em vigor, que seria referendada em outubro de 1993, estabelecendo eleições gerais para 1995.
“A ditadura aberta, então, transitou para um Estado policial disfarçado, com alta concentração de autoridade no Poder Executivo, além de sacramentar os paradigmas de defesa da propriedade, do capital e da liberdade econômica exigidos pela grande burguesia local e o imperialismo”, ressaltou o jornalista.
Com maioria no Congresso Constituinte, Fujimori foi reeleito com facilidade em 1995, “mantendo também controle sobre o novo Parlamento”.
“Durante os quase dois anos de regime ditatorial, mais o período de constitucionalização do regime de força, o tirano neoliberal desatou uma das maiores ondas repressivas da história peruana”, destacou Altman.
Calcula-se entre 50 e 70 mil os assassinatos e desaparecimentos forçados, por ação da polícia e do Exército, mas também de grupos paramilitares financiados e organizados com a participação do Serviço de Inteligência Nacional, o SIN, comandado por Vladimir Montesinos.
De acordo com o jornalista, o combate às guerrilhas, que já caminhavam para a derrota antes mesmo de 1992, serviu como pretexto para uma repressão generalizada contra os movimentos sociais e os sindicatos, para impor a ferro e fogo o modelo neoliberal.
O ocaso da ditadura Fujimori veio em 2000, quando vieram à luz confissões clandestinas de Montesinos, quem, após ser afastado do SIN, havia recebido 15 milhões de dólares das mãos do próprio presidente “para ficar calado”.
Somado a isso, Fujimori enfrentava a crise da economia neoliberal: aumento da pobreza e da miséria, restrição acentuada do mercado interno, recessão, desemprego, quebra e desnacionalização da pequena e média empresa, retorno da inflação e aumento da violência.
“Setores da burguesia abandonaram Fujimori, parlamentares lhe viraram as costas, as Forças Armadas lavaram as mãos”, explicou Altman.
Ele reforçou que Fujimori ainda tentou uma última manobra, convocando eleições gerais antecipadas nas quais se comprometia a não concorrer.
“Não houve apoio e acordo. Aceitou renunciar, mas o Parlamento queria limpar sua imagem fujimorista: recusou a renúncia e declarou, em 21 de novembro de 2000, a incapacidade moral do então presidente”, relembrou.
Para Altman, o resultado desse processo foi que Fujimori acabasse sendo considerado um pária, inclusive por aqueles que haviam sido seus aliados.
“Para se manterem no poder, quando os ventos sul-americanos sopravam à esquerda, com [Hugo] Chávez e [o ex-presidente do Brasil] Lula, as elites peruanas precisavam jogar no lixo da história o tirano neoliberal”, discorreu Altman.
Foragido da justiça, asilado, depois preso e deportado, Fujimori acabou sendo condenado por parte de seus crimes, “mas as classes dominantes ironicamente voltariam a fazer as pazes com o fujimorismo, dessa vez encarnado por sua filha Keiko”.
“A declaração de apoio de Vargas Llosa a essa candidata, no segundo turno das presidenciais peruanas, contra o candidato de esquerda, Pedro Castilho, é o símbolo irônico dessa reconciliação”, concluiu o jornalista.