No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA desta terça-feira (08/06), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, analisou o conceito de geopolítica, que, antes de se configurar como uma área de estudo, representou uma doutrina conservadora para se contrapor ao marxismo no final do século XIX.
“Costumamos tratar geopolítica como se fosse uma área de estudo, assim como o fazemos com economia ou sociologia, por exemplo. O conceito nasceu, porém, como uma doutrina imperialista, lógica que se estende até a era contemporânea”, afirmou Altman.
O termo teria sido cunhado pelo sueco Rudolf Kjellén, em 1899. Político conservador, tinha recebido influência do geógrafo alemão Friedrich Ratzel, conhecido por ter elaborado outro conceito de destaque, o de lebensraum – espaço vital, em alemão. Essa ideia-força seria preponderante na estratégia imperialista do nazismo para justificar sua expansão na Europa Central e Oriental, sob o pretexto das necessidades de sobrevivência de uma raça e de uma nação superiores em padrões civilizatórios.
“Kjellen e Ratzel, junto com Alexander von Humboldt e Carl Ritter, constituiriam o núcleo principal da geopolítica clássica, também denominada geopolítica alemã, abraçada finalmente pelo general Karl Haushofer, de grande influência sobre Hitler e sua doutrina”, narrou o jornalista.
Esses nomes, e outros mais, teriam muita influência sobre os grandes Estados imperialistas e seus líderes, “ajudando a modular estratégias políticas, econômicas e militares por mais de um século”.
Para Altman, a geopolítica nasceu com o propósito de oferecer aos países capitalistas uma bússola para sua ação internacional, uma teoria que lhes permitisse disputar territórios, mercados e hegemonia.
“Mas essa não foi a única finalidade da geopolítica clássica: havia também um forte debate teórico a ser travado, contra o marxismo, que ganhava força de massa exatamente em algumas dessas nações do capitalismo tardio, como a Alemanha”, ressaltou.
Geopolítica e marxismo
Para os marxistas, as relações internacionais, em prolongamento à política nacional, eram determinadas, em última instância, pelos interesses de reprodução ampliada do capital e pela luta de classes em escala planetária. “Os interesses nacionais, nessa lógica, estavam subordinados aos interesses de classe”, explicou Altman.
Artem Beliaikin/Unsplash
Geopolítica foi o tema desta terça-feira (08/06) do 20 MINUTOS ANÀLISE
De acordo com ele, a concepção de classe enfraquecia e ameaçava os Estados burgueses, preocupante sobretudo pelo momento de intensificação dos conflitos interimperialistas, que desaguariam na Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918.
“A geopolítica surge, nessas condições, como uma doutrina que impunha o interesse nacional – da nação controlada pela burguesia – sobre quaisquer outros interesses”, reforçou.
Não se tratava, contudo, de uma ordem de Estado, coercitiva, mas de uma “teoria sedutora”, que explicava a roda da história por essencialidades fundamentais: o território, a raça, a cultura, o idioma, a tradição: “Sim, a geopolítica clássica poderia ser chamada de identitarismo nacional ou regional”.
Dessa maneira, como argumentou Altman, todas as nações teriam seus próprios interesses e todos seriam legítimos, cabendo a cada nacionalidade a defesa de seus próprios objetivos. Os interesses do capital e dos trabalhadores deveriam ser apagados em nome do interesse nacional, representado pelo Estado burguês.
“A clivagem classista, esse incômodo marxista, deveria ser substituído pelo nacionalismo, pelo chauvinismo e, em alguns casos, com um forte molho racista”, agregou.
Segundo o jornalista, a teoria e os interesses que a moviam eram tão fortes na Europa, que parte da esquerda, a social-democrata, “a ela se rendeu, apoiando o esforço de guerra de suas próprias burguesias, no primeiro conflito mundial”.
“Os seguidores de Lênin e Rosa Luxemburgo, por sua vez, depois rebatizados de comunistas, declararam guerra à guerra, pregando a insurreição dos trabalhadores de cada país contra suas próprias classes dominantes, como aconteceria na Rússia czarista. Não eram nacionalistas, mas internacionalistas”, concluiu.
Legado cultural
Altman também destacou a influência da geopolítica sobre a cultura da época. “Não se tratava apenas de combater a teoria da lutas de classes e substituí-la pelo confronto entre Estados ou regiões, mas de retirar as massas e seus movimentos de qualquer protagonismo, substituindo-os por conspirações, operações secretas, heróis individuais, mistérios sombrios, construções ocultas”, destacou.
O jornalista ressaltou o vínculo e a retroalimentação entre a geopolítica e certos gêneros literários, especialmente o romance de espionagem e de suspense, “alimentando a teoria da conspiração quase como um jeito de viver e, certamente, de ganhar dinheiro”. Para ele, “toda sorte de falsário intelectual percebeu, na geopolítica, uma forma de ter alguma relevância, desde que possuísse algum segredo conspirativo a revelar ou fosse capaz de blefar e plagiar a respeito”.
Enfatizou, em sua exposição, que “a geopolítica clássica impulsionou o ramo das fofocas, das reuniões secretas, das pequenas e grandes conspirações, das especulações dissociadas de fatos e processos públicos”, contrapondo-se ao rigor do método marxista, que obrigaria ao “estudo de fenômenos profundos, determinantes no desenvolvimento do capitalismo ou na sua confrontação”, dando importância marginal a fatos de superfície, ao diz-que-diz da política, ao psicologismo sobre as grandes personalidades.