O cenário político tenso da transição para o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva não autoriza concluir que os setores liberais, agora aliados ao PT, abandonarão o golpismo que tem sido sua marca ao longo da história brasileira, na opinião do fundador de Opera Mundi, Breno Altman.
“É aconselhável lidar com os liberais com um olho no gato e outro no peixe. Acolhidos na frente ampla, a esquerda deve ter juízo e saber que está dormindo com o inimigo”, afirmou ele no programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta quarta-feira (23/11).
O desenlace dessa situação passa pela resposta a uma pergunta evitada pela mídia hegemônica, sobre a mudança de posição dos neo-aliados no golpe que removeu a presidente Dilma Rousseff do poder há seis anos. “Lembrando que é farta a cobrança por autocríticas do PT, por que não se pergunta aos liberais, incluindo Geraldo Alckmin, se eles se arrependeram do apoio dado ao golpe de 2016, que foi o ovo da serpente da ascensão do bolsonarismo? Essa pergunta é ausente do noticiário e até mesmo das intervenções públicas de lideranças de esquerda. A resposta seria muito interessante para resclarecer se os liberais abandonaram o golpismo. Se fizermos uma leitura histórica, veremos que estão muito longe disso. Os liberais trazem no seu código genético o golpismo”, argumenta Altman.
Em 2022, os liberais se dividiram entre Lula e Bolsonaro, e as pressões para que o presidente eleito descumpra compromissos assumidos com a população em seu terceiro mandato já se fazem sentir com força neste período de transição, dentro e fora da frente ampla.
“O mercado, a imprensa e o Parlamento farão da vida de Lula um inferno se ele não ceder às pressões liberais. Não é preciso estar muito atento para identificar nesse comportamento o tradicional vírus do golpismo, tão próprio ao liberalismo brasileiro, avesso à soberania popular quando ela lhe vira as costas”, diz o jornalista.
Quem conduziu o golpe de 2016 foram partidos como PSDB, MDB e DEM (atual União Brasil), e não a extrema direita ou Bolsonaro, então um político à margem. “Foram os liberais que impulsionaram a Operação Lava Jato, lideraram o movimento pelo impeachment e atiçaram a prisão de Lula em 2018, retirando-o da disputa e permitindo a vitória de Bolsonaro”, revisa.
Câmara dos Deputados
Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Paulo Guedes em fevereiro de 2021
No decorrer do atual governo, os representantes desses setores no Parlamento votaram pela aprovação das medidas do ministro Paulo Guedes, fazendo-se linha auxiliar da extrema direita na condução da economia.
“Não há novidades nisso. Os liberais também abriram as portas para a chegada ao poder do fascismo e do nazismo no século 20, acreditando que essas forças poderiam ser úteis para enfrentar a esquerda e os trabalhadores e seriam descartadas quando o serviço sujo já estivesse realizado”, compara Altman.
A posição do Brasil na periferia do capitalismo ajuda a explicar a intolerância liberal a reformas de inclinação progressista. Via de regra, o liberalismo apoia ou chefia a expressão do desconforto da burguesia diante de medidas que contrariem a natureza da acumulação capitalista no Brasil.
Futuro social
Sobre o que esperar dos próximos anos, Altman remonta à Constituição de 1988, que tomou contornos progressistas em termos de direitos econômicos e sociais à custa da mobilização popular iniciada pelo movimento operário já então liderado por Lula.
A situação era de amedrontamento de políticos profissionais diante do clamor popular, o que teria de se repetir agora para blindar o governo das imposições neoliberais e antipopulares. “Para que isso volte a ocorrer, novamente teríamos que ter um movimento popular daquela envergadura”, afirma.
Para que tal movimento volte a ocorrer a partir de 2023, é necessário que o governo cumpra os compromissos firmados com a população, acima da intransigência neoliberal.