No programa 20 MINUTOS ANÁLISE desta terça-feira (15/06), o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, discorreu sobre o papel das Forças Armadas, em particular do Exército, no governo de Jair Bolsonaro.
O jornalista ressaltou que, com Bolsonaro, os militares ressurgiram em uma posição de protagonismo, “ainda que as portas já tivessem sido abertas pelo governo Michel Temer, que nomeou um general para ministro da Defesa e unificou os serviços de inteligência nas mãos do Gabinete de Segurança Institucional, também comandado por um general”.
Avaliando as Forças Armadas como uma entidade que atua como partido estratégico da burguesia brasileira, formulando sua própria doutrina e com liberdade para definir suas próprias ações e intervir no Estado, Altman foi taxativo: “o partido militar precisa ser dissolvido”.
Um levantamento do Tribunal de Contas da União registrou o total de 6.157 militares exercendo funções civis na administração pública federal, contra 2.957 em 2016. O número de militares da ativa chega a 2.558, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, com o direito de acumular soldos e salários civis.
Nas estatais vinculadas à União, 92 cargos de comando são ocupados por fardados, contra apenas nove durante a gestão de Michel Temer. Segundo a Folha, das 46 estatais controladas diretamente pelo governo federal, 16 são presididas por militares.
“Como um polvo, com múltiplos tentáculos, as Forças Armadas vão ocupando o Estado, com números incomparáveis a outros países do mundo ou até mesmo com a ditadura militar imposta pelo golpe de 1964”, avaliou Altman.
Conquistando protagonismo
Altman relembrou que, desde a redemocratização, as Forças Armadas vinham tendo um papel “relativamente discreto” na vida política, após a escapada impune dos crimes praticados durante a ditadura. Recuperaram relevância e se modernizaram durante os governos do Partido dos Trabalhadores.
“De alguma maneira, o PT parecia acreditar que a valorização dos militares e o respeito à sua impressionante autonomia, seguindo a mesma opção que havia adotado em relação ao Ministério Público, poderia bloquear o retorno dos fardados à cena política e a desidratação do papel tutelar que historicamente as Forças Armadas desempenharam sobre o Estado. Não passou de uma ilusão”, ressaltou o jornalista.
Foi durante o período petista, sobretudo depois de 2014, que a doutrina atual das Forças Armadas se consolidou, na avaliação de Altman. Concluíram que os partidos burgueses tradicionais, mais uma vez, “mostravam-se incapazes de liderar o Estado, derrotar a esquerda e garantir a implantação do programa defendido pelos grandes capitalistas”.
Também surgia naquele momento a polarização entre Estados Unidos e China, cenário em que o lugar do Brasil seria perfilar com as potências capitalistas ocidentais.
“Por fim, a crise mundial de 2008-2009 revelaria que estavam fechadas as portas para um desenvolvimento autônomo do capitalismo brasileiro, baseado na soberania externa, na reindustrialização nacional e no mercado interno de massas, como era a ambição petista. O Brasil, portanto, deveria aceitar seu papel agroextrativista, baratear custos internos para atrair capitais externos, especialmente salários e direitos, e adotar todas as medidas necessárias, incluindo privatizações e desregulamentações de toda ordem, para garantir um lugar ao sol no mapa dos grandes investidores”, explicou.
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Para Altman, com Bolsonaro, os militares ressurgiram no país em uma posição de protagonismo
Assim, no comando das Forças Armadas, foi se formando maioria em favor do programa neoliberal, da subordinação à Casa Branca e da retomada da intervenção militar na vida política, “como solução de última instância ao colapso dos velhos partidos liberais e conservadores, que ficaria bastante claro com o fracasso do governo Temer”.
Altman reconheceu que, no início, Bolsonaro provocava certo mal-estar entre os generais, “mas as resistências foram caindo na medida em que o ex-capitão demonstrava ter base social própria e crescia nas pesquisas, a partir de 2017”, capitalizando o surgimento de um movimento popular neofascista, assentado sobre as camadas médias, que havia tomado as ruas durante o golpe contra Dilma Rousseff.
“As Forças Armadas, então, escolheram o pacto com Bolsonaro como via institucional para exercer o que consideram seu direito ao poder tutelar sobre o Estado. A eleição de Bolsonaro poderia significar a construção de um aparato efetivo que derrotasse quaisquer contraposições à agenda defendida pelo núcleo autoritário-entreguista, neofascista e pró-imperialista, que chefia o Exército”, afirmou o jornalista.
Do lado de Bolsonaro, “fenômeno de baixa articulação partidária e com pouca influência sobre os antigos quadros políticos da burguesia”, as Forças Armadas representavam o grande partido de sustentação ao seu governo.
‘Esquerda precisa superar a tutela militar’
Altman recordou que a força política das Forças Armadas surgiu durante a Guerra do Paraguai e se manteve ao longo do tempo, mesmo após o fim da ditadura, de forma que nenhum governo, nem mesmo durante o ciclo petista, “teve a vontade ou a condição política, ou ambos, para romper os escudos corporativos, mexendo nos currículos, na narrativa histórica, no sistema de promoção”.
Ele destacou que até mesmo a Constituição, “ainda que de forma imprecisa”, salvaguardou o papel tutelar das armas, através do artigo 142, que lhes dá a tarefa de proteger, além da soberania nacional, a ordem institucional, desde que convocadas por um dos três poderes.
Portanto, não basta derrotar o bolsonarismo. Para reconstruir a democracia, Altman defendeu a necessidade de enfrentar o partido militar, pelo papel estrutural que desempenha no Estado.
“Qualquer alternativa de esquerda que se pretenda consequente precisa ter a coragem e a inteligência de, finalmente, superar a tutela militar”, reforçou.
.Para ele, caso um presidente de esquerda se eleja, ele deverá buscar exercer na plenitude seu poder de comandante em chefe das Forças Armadas, “promovendo oficiais que representem um programa nacional, democrático e popular, passando à reserva os cúmplices do bolsonarismo e expurgando o núcleo neofascista e entreguista que se reproduz desde o golpe de 1964”.
“Mas também deveria significar o fim do sequestro do Ministério da Defesa pelas Forças Armadas, a integral reformulação curricular, a proibição de formulação doutrinária para além de assuntos especificamente militares, uma revisão histórica profunda, a começar por um pedido formal de desculpas à nação pelo golpe de 1964 e os crimes da ditadura”, agregou.