A política externa brasileira não deve se alinhar a nenhum dos dois polos em guerra na Ucrânia num eventual terceiro governo Lula, na opinião do diplomata e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que participou do programa 20 MINUTOS desta quarta-feira (10/08) com o jornalista Breno Altman.
“Sozinhos ou em alianças complexas com outros países, devemos procurar não nos subordinar a nenhum dos dois grandes polos”, defende, afirmando que a geopolítica mundial atual é muito mais complexa que a dos anos em que foi ministro das Relações Exteriores, no período Lula, e da Defesa, no governo de Dilma Rousseff.
Para Amorim, que acaba de lançar o livro Laços de Confiança – O Brasil na América do Sul (ed. Benvirá), a hegemonia dos Estados Unidos caracterizou o período anterior, mas o mundo caminhava para certa multipolaridade, em que as rivalidades não chegavam a ser hostilidades, como são atualmente.
Ele lembra que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, não houve nenhuma guerra no coração da geopolítica, como a que se desenrola agora em oposição frontal entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Rússia. Nem por isso o ex-chanceler defende uma escalada nuclear na América Latina: “pessoalmente sou contra o Brasil ter bomba atômica. O que tem que ter é uma política ativa de eliminação total das armas nucleares”.
Isso não significa que Amorim preconize uma atitude passiva no campo da defesa, afirmando que o país precise de “capacidade dissuasória”, ou seja, demonstrar que “terá um custo qualquer tentativa de atuar, digamos, no nosso pré-sal ou na Amazônia”.
“Por isso é importante ter submarino de propulsão nuclear e caças atualizados como os que foram adquiridos no governo Dilma, porque eram preferência da Aeronáutica”, disse.
A guerra na Ucrânia é um erro geopolítico tanto do ponto de vista norte-americano e ocidental quanto do russo, em sua avaliação. Para ele, a motivação principal do presidente da Rússia, Vladimir Putin, não é conter o expansionismo da Otan, mas sim contemplar o nacionalismo em relação à Ucrânia, em detrimento da racionalidade da antiga União Soviética.
“A Ucrânia desperta emoções muito fortes na Rússia. Era chamada de Pequena Rússia, e não pejorativamente. Se é um sinal para parar estrategicamente os Estados Unidos, tenho dúvidas”, argumenta.
Flickr/ Casa de América
Para Amorim, a hegemonia dos EUA caracterizou o período anterior, mas o mundo caminhava para certa multipolaridade
Por outro lado, considera que a subordinação da União Europeia ao comando norte-americano encontra respaldo da população.
Não se deve esperar a mesma unanimidade ocidental anti-russa contra a China. Apesar da fragilidade europeia em relação aos Estados Unidos e de uma ausência de liderança no bloco europeu, diz, não é provável que a Europa embarque na hostilidade Estados Unidos-China. “Há esse risco, mas não está definido totalmente que passaremos a ter uma nova bipolaridade, pondo de um lado Estados Unidos e Europa e do outro China e Rússia.”
Amorim critica o conceito de “legítima defesa preventiva” praticado por Putin e lembra que o mesmo artifício foi adotado pelos Estados Unidos em relação ao Iraque.
Política externa brasileira
Questionado por Altman se a política externa brasileira tende a fluir melhor em governos norte-americanos democratas ou republicanos, ele admitiu que, nos governos petistas, o Brasil se relacionou bem com o republicano George W. Bush e teve mais dificuldades com o democrata Barack Obama.
“Não é que a relação com Obama tenha sido ruim, mas tivemos uma grande decepção no caso do Irã, porque foram eles que pediram para fazermos o que fizemos, exatamente. Nosso único erro na questão do Irã foi ter conseguido. Acho que a ideia toda era fazermos e não dar certo”, disse.
Sobre a participação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA) e uma eventual ruptura, Amorim argumenta que a instituição perdeu relevância na prática sob Lula. “Acho preferível fortalecer as instituições sul-americanas e latino-americanas e com isso diminuir a importância relativa da OEA”, pondera.
No entanto, ele defende a missão do Exército brasileiro no Haiti entre 2004 e 2017, definida por Altman como “um criadouro de generais de extrema direita” hoje a serviço de Jair Bolsonaro: “Para qualquer lugar que fosse, metade dos generais seria de direita. O general [Augusto] Heleno teria aderido a qualquer sistema, porque é do perfil dele.