Nesta quarta-feira (21/06), o programa 20 MINUTOS entrevistou o psicanalista e acadêmico Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores estudiosos brasileiros da obra de Jacques Lacan, além de renomado escritor, cujo livro mais recente é “Lacan e a democracia: clínica e crítica em tempos sombrios”, publicado pela editora Boitempo.
O tema do programa foi o discurso da extrema direita brasileira, que ganhou força no Brasil desde a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018, e que apesar da sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 continua muito presente na sociedade, especialmente nas camadas médias, questionando valores civilizatórios supostamente universais e mobilizando politicamente o ódio em favor do bolsonarismo.

Segundo Dunker, não é necessariamente o amor que deve nortear o combate aos discursos de ódio, pois existem outros elementos que devem ser buscados anterioremente.
“Tecnicamente, o amor vem depois do ódio. Primeiro a gente aprende a odiar, depois a gente descobre que tem um jeito de transformar os efeitos do que foi feito, essa reparação é o que a gente chama de amor (…) mas o que muda mesmo a engenharia do ódio é o afeto que o precede, que é o medo. Quando você consegue desativar o medo social, o ódio murcha. Em segundo lugar, quando você consegue alterar algo na economia do desejo ou do gosto das pessoas. Essas coisas são mais intervenientes sobre o ódio do que a política do amor”, explicou o escritor.
O psicanalista também explica porque o ódio é funcional ao bolsonarismo ou a outras expressões neofascistas presentes no mundo atual. “Primeiro, temos que entender que o ódio é uma estratégia libidinal. Quando você sente ódio você sente prazer, diferente dos sentimentos de culpa, inveja ou vergonha. O ódio é um sentimento que quer mais, um sentimento expansivo. Portanto, ele aponta às massas desalentadas. O que vem junto com esse desalento, que a gente não percebe? O rebaixamento de libido. A pessoa que está parada, melacolizada, pega essa libido que já está baixa e a transfere para o líder, porque ele a devolverá com um bônus, e ajudará a transformar esse bônus, esse ódio, em coletivo” frisou.
“O que acontece com esse ódio quando ele é individualizado? Ele vira depressão, auto agressão, autocrítica. Até que vem alguém que te oferece canalizar esse ódio em um ódio coletivo, e aí aparece o segundo fator importante: o ódio também pode funcionar como um doping. A pessoa está cheia de tarefas e problemas, de onde ela vai tirar a energia para cumprir com esse adicional de trabalho que o neoliberalismo está exigindo dela? Do ódio! Quanto mais você odiar o seu chefe, ou o sistema, ou o que for, mais você aumenta a sua atenção, a sua disposição para a ação, capacidade de resistência às pancadas da vida. Então, existe um efeito psicológico protetivo do cara que está com ódio”, acrescentou.
Sobre porque a extrema direita encontrou no neopentecostalismo seu principal parceiro na instalação dos discursos de ódio no país, Dunker afirmou que “houve uma mutação das formas religiosas, e da distribuição das formas religiosas no Brasil. Esse processo se observa há mais tempo, mas ele se turbinou a partir de 1984, com a entrada de uma nova geração de neopentecostais no chamado ‘negócio da fé’. A compra da TV Record, anos depois, junto com a aquisição de vários canais de televisão regionais e estações de rádio, foram um marco dessa mudança”.
“Esse processo avançou nos Anos 2000 para uma adaptação do discurso global da guerra ao terror. Enquanto todo o mundo estava perseguindo religiosos islâmicos, o Brasil vivia uma espécie de interregno, que por sua vez estava produzindo uma nova lógica de formação de inimigos. Também uma nova lógica de intersecção entre a religiosidade e a ascensão social. Ou seja, nós deixamos para trás uma certa ideia de que a religião ocupa um papel de mitigar conflitos, de produzir paz e amor, e passamos a assimilar uma religiosidade que justifica práticas de ascensão social e prosperidade, o que também justifica certas modalidades de injustiça”, comentou o psicanalista.