Domingo, 15 de junho de 2025
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A falta de regulação atual, democrática e moderna dos meios de comunicação causa um déficit democrático ao Brasil, na opinião do jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. “As democracias sólidas têm uma regulação muito forte da comunicação”, observou ele em conversa com o jornalista Breno Altman, no programa 20 MINUTOS desta terça-feira (08/11).

Esse déficit traz riscos concretos à democracia brasileira, como ficou evidente nas eleições presidenciais que se encerraram com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. “No conjunto, a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a eleição de 2022 no Brasil. Havia um ataque feroz, pesado, articulado com setores do poder, contra as urnas eletrônicas e por extensão a própria instituição da eleição democrática”, avalia Bucci. “Temos visto atos em que pessoas recebem a Polícia Rodoviária Federal a bala. O que justifica esse tipo de ataque contra uma decisão democrática dos eleitores? Vai ficando muito claro o caráter do movimento em curso, que é contra a democracia”. 

Para ele, o Brasil precisa regular prioritariamente a fusão informal que se estabeleceu entre igreja, meios de comunicação e partidos políticos. “Na democracia, não podemos ter uma igreja ou um grupo de igrejas com claros interesses partidários e ao mesmo tempo claros interesses no campo da radiodifusão”, argumenta. “Se há vasos comunicantes entre essas duas coisas, vira uma confusão que distorce o ambiente democrático”. 

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A regulação deveria ser estendida às redes sociais e às chamadas “big techs”, transnacionais privadas como Facebook e Google, pelas quais circula toda a informação pública, sem qualquer transparência: “Se é uma praça pública, como disse recentemente Mark Zuckerberg, tem que ter regra pública, e não privada. Isso significa que os critérios do algoritmo precisam ser conhecidos”. O caminho a ser tomado deveria ser a quebra desses monopólios, defende Bucci.

Localmente, a concentração de poder por poucos grupos familiares de comunicação também deveria ser objeto de regulação: “Isso funciona em todos os setores da economia, o Brasil poderia regular também esse setor do mercado de forma mais competente. Se existe concentração de propriedade, existe concentração de poder, e o nível de liberdade é um pouco abaixo do que seria desejado”. Bucci evita caracterizar conglomerados como a Rede Globo como monopólios: “Pode ser que exista uma concentração nacional de audiência ou faturamento publicitário, mas são coisas dentro do ajustável. Tecnicamente não são monopólios”.

Para professor de jornalismo, Brasil precisa regular concentração de poder e coibir confusão entre igreja, partido e meios de comunicação; veja vídeo na íntegra

Divulgação

Jornalista Eugênio Bucci, professor da ECA-USP, é convidado de Breno Altman no 20 MINUTOS desta terça-feira (08/11)

Proibidos pela Constituição, os monopólios e oligopólios na área carecem, segundo o professor,  de caracterização precisa, mas também de regulação: “Pode ser que em alguma cidade algum grupo tenha que se desfazer de parte de suas propriedades, e isso será democrático. Mas não pode ser uma bandeira de esquerda, como às vezes fica parecendo que é, e nem parte de um discurso de ódio. No governo Bolsonaro, se falou muito contra a Rede Globo, de forma injusta. Considero o termo ‘Globo lixo’ ofensivo. Lembra um termo do nazismo alemão, ‘lügenpresse’, algo como imprensa mentirosa”.

Questionado por Altman sobre o comportamento dos meios hegemônicos de comunicação diante da Operação Lava Jato, Bucci respondeu que pode ter havido falha técnica na cobertura: “Tenho elementos para acreditar que, em geral, houve uma falha técnica de procedimento, que foi tomar as informações vindas da força-tarefa como se fossem isentas, desprovidas de qualquer interesse”. A hipótese de que a cobertura da operação tenha sido editorializada politicamente para prejudicar os governos do PT precisa ser testada cientificamente, segundo ele.

“Todo governo briga com a imprensa, mas o que distingue um governo do outro é a forma como briga”, conceitua o professor, ao abordar as tensões entre o poder político e os meios de comunicação. “Nunca ouvimos de integrantes dos governos do PT uma fala sobre fechar a imprensa, nem vimos agressões contra jornalistas mulheres. O que caracteriza o governo com propensão autoritária é que ele pede o fim da imprensa”. 

Altman pediu uma avaliação sobre o tratamento dado pelos meios hegemônicos ao governo Bolsonaro. “Na minha avaliação, trataram corretamente o governo Bolsonaro. A Folha de S. Paulo, por exemplo, está designando os atos pós-eleição como antidemocráticos ou golpistas. No meu modo de ver esse adjetivo não é opinativo, é factual. São claramente atos contra o resultado da eleição, que pedem ruptura da ordem democrática”, respondeu Bucci. “Remando contra a maré, a imprensa cumpriu o seu papel. Quem foi muito mal nesse período não foi a imprensa, foi o governo Bolsonaro”.