Em entrevista a Breno Altman no programa 20 Minutos Internacional deste sábado (10/04), o senador do Polo Democrático Alternativo Ivan Cepeda afirmou que no país, com o governo de Iván Duque, há uma “democracia simulada”. Ele comparou o estado militar colombiano com a experiência brasileira e o governo de Jair Bolsonaro.
“Bolsonaro e Uribe compartilham uma série de traços em comum”, afirmou o senador. Álvaro Uribe, político de extrema direita, foi presidente da Colômbia entre 2002 e 2010, e continua sendo uma figura proeminente no país. Atualmente, o ex-presidente enfrenta acusações de fraude processual e compra de testemunhas contra o próprio Ivan Cepeda, quem havia sido acusado de armar um complô contra o ex-mandatário.
“Existem muitas semelhanças em suas personalidades políticas. São de extrema direita, com uma ideologia que se aproxima do autoritarismo, do totalitarismo. Há o culto às ditaduras, guerra e violência. Além de ambos promoverem um programa neoliberal, de privatizações e enriquecimento das elites”, explicou Cepeda.
Uribe já fez declarações dizendo que, se tivesse tido tempo, teria iniciado uma guerra na Venezuela para, segundo ele, perseguir militantes das Farc e do Exército de Libertação Nacional atuantes no país. Durante seu mandato, o ex-presidente realizou uma operação do tipo no Equador, sem a autorização do país, levando à ruptura diplomática entre Quito e Bogotá.
Além disso, Uribe tentou aprovar uma modificação na Constituição colombiana que lhe permitisse ser reeleito para um terceiro mandato. A alteração não foi permitida pelo Tribunal Constitucional do país e agora reeleições, inclusive para um segundo mandato, estão proibidas na Colômbia.
“Na Colômbia existe uma democracia simulada. O Estado é um estado militar, no qual o peso das Forças Armadas é muito grande, não só na política, mas o aparato militar faz com que na Colômbia haja um estado de guerra permanente”, explicou Cepeda.
Nesse sentido, “imagino que para uma personalidade como Bolsonaro, esse modelo seja muito atraente”. Bolsonaro, cuja proximidade com as Forças Armadas é motivo de alerta para muitos analistas, também poderia tentar se converter em “uma espécie de ditador civil, que possa exercer um império político”, como tentou fazer Uribe, na opinião de Cepeda.
“As democracias, quando simuladas, podem ser até piores que as ditaduras. Já advertimos várias vezes sobre os perniciosos efeitos que pode ter imitar ou importar o modelo colombiano”, ressaltou.
Acordos de paz
Diante desse cenário, Cepeda aponta os acordos de paz com as Farc, assinados em 2012 durante o mandato de Juan Manuel Santos, como sendo “o feito político mais significativo da Colômbia nas últimas décadas”, ainda que, segundo ele, ainda não tenha sido possível erradicar o estado militar.
“A Colômbia viveu um conflito que durou 60, 65 anos, que não se desmonta em três ou quatro anos. É difícil e implica o sacrifício de muitas vidas. Pode soar paradoxal, mas há ainda um conflito pela paz”, afirmou.
O senador celebrou as vitórias do acordo, que puseram fim ao enfrentamento das Farc com o Estado. Grupos dissidentes, que dão continuidade ao conflito, não chegam a representar nem 10% do que foram as Farc quando ainda estavam na ativa.
“Criamos programas de economia camponesa, de cultivo, mas com o governo atual enfrentamos muitos obstáculos, há ainda muita coisa que não conseguimos cumprir”, argumentou.
Para Cepeda, Iván Duque, que pertence ao partido de Álvaro Uribe, é um “inimigo do acordo de paz”, num país que segue matando líderes populares que denunciam violações ao acordo, “com a cumplicidade de agentes estatais”, e se esforça para acabar com o seu progresso, algo que só não conseguiu devido ao apoio da população ao acordo e da forte influência internacional no país em prol da paz.
É por isso que o senador vê a questão da paz como ponto central a ser defendido pelas forças progressistas na campanha eleitoral de 2022.
Frente única de esquerda
A Colômbia nunca foi governada por um partido de esquerda. Para Ivan Cepeda, o momento de mudar essa realidade é agora. Ele acredita que o sentimento de descontentamento da população com o governo nunca foi maior, agravado pela pandemia.
“Teremos uma nova onda de mobilização social que não se resumirá a protestos. Há um movimento emancipatório que vem dando resultados. Quando a pandemia ceder, veremos essas mobilizações”, sustentou.
No entanto, para o senador, essas mobilizações precisarão ter um “olhar estratégico”. “Não pode ser apenas movido pela indignação, deve levar a um processo político de mudança”, reforçou.
Em sua opinião, a esquerda deve aproveitar o momento, pois vive a “oportunidade mais importante que tivemos na história recente. Devido ao processo de paz, cresceu a influência dos setores progressistas”, ponderou.
Para chegar ao governo, Cepeda defende a construção de uma frente única de esquerda. “As coalizões de centro-esquerda não têm diferenças políticas. Compartilham uma mesma plataforma ideológica, mudando nas formas e estilo político. Temos que nos unir diante da possibilidade de um novo mandato de extrema direita”, disse.
O senador citou o nome de Gustavo Petro, senador e ex-prefeito da capital, como um candidato que poderia unir as coalizões, mas também reforçou a importância de pensar no Congresso, não apenas na Presidência, para conseguir realizar reformas estruturais.
“Temos uma proposta de país que temos que colocar em prática”, contou. O modelo propõe uma reforma agrária, “que ajudaria a resolver o problema do narcotráfico, já que estão intrinsecamente unidos; uma reforma tributária, que permita arrecadar fundos para transformar o Estado em um Estado social; e uma reforma energética e climática, para resolver a questão da dependência energética da Colômbia do extrativismo mineiro e do petróleo”.
O programa não descarta a convocação de uma Assembleia Constituinte, para desmontar o estado militar. Cepeda também não descarta uma aliança com o partido Comunes, formado por ex-guerrilheiros das Farc.
Do lado da direita, o senador afirma que enfrentarão tentativas de “prolongar Uribe”.
“Querem promover seu filho, Tomás Uribe, como uma espécie de herdeiro da coroa. Mas ele não tem nem o talento, nem a experiência, nem o carisma do pai, mas estão tentando colocá-lo como uma figura importante. De todas formas, teremos de estar atentos”, concluiu.