O jornalista e escritor Fernando Morais falou, no programa 20 MINUTOS desta quarta-feira (05/10), com Breno Altman, sobre o lançamento da 40ª edição brasileira da biografia da revolucionária alemã de origem judia Olga Benário, primeira companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes.
A nova versão de seu best-seller Olga (Companhia das Letras) chega às livrarias em celebração ao centenário de fundação do Partido Comunista Brasileiro. O biógrafo resume a personagem e o livro lançado originalmente em 1985: “é uma história triste, mas ao mesmo tempo exemplar, de uma pessoa que dá a vida em defesa de ideias”.
Morais lembra que optou por começar o livro com um episódio da primeira juventude de Benário, quando ela entrou no tribunal que julgava seu namorado, Otto Braun, por traição à Pátria alemã e ligações com a União Soviética.
“Ela tira uma pistola da bolsa, encosta na cabeça do soldado que traz Otto Braun e diz: ‘ou entrega ou morre'. Imagina, uma menina, eles não têm outra alternativa. Ela tira o namorado, saem correndo por Berlim com a polícia atrás”, rememora. “Olga era revolucionária desde o começo. Correu riscos, inclusive o risco que acabou levando-a à câmara de gás, para mudar o mundo, num país do outro lado do planeta”, completa.
Ligada à juventude do Partido Comunista Alemão desde a adolescência, a militante foi formada na União Soviética como um quadro de inteligência e militar, em atividades como pilotagem de avião, falsificação de documentos e mudança facial, por exemplo.
Em 1934, o militar e político que liderou a Coluna Prestes, então estabelecido na União Soviética, foi enviado de volta ao país natal para chefiar a frustrada revolução comunista de 1935. Benário veio junto, para atuar como segurança de Prestes, e ambos adotaram identidades falsas de um casal português em lua de mel.
“Eles fazem um zigue-zague enorme nessa viagem. Embarcam em Nova York como falsos marido e mulher e desembarcam em Buenos Aires como verdadeiros marido e mulher”, recorda o biógrafo, que teve apoio do líder comunista brasileiro para escrever o livro: “Prestes me contou, com o gravador ligado, que Olga foi a primeira relação sexual que ele teve na vida, aos 37 anos. Ela, não, embora fosse muito mais jovem”.
Morais conta que viajou para Berlim num recesso da atividade como deputado estadual paulista, com o objetivo de pesquisar e determinar se a história de Olga Benário mereceria ser tema de uma biografia. Via-se decepcionado, então, pelo espaço insignificante dado pelo Partido Comunista Brasileiro à primeira companheira de Prestes.
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Olga foi uma pessoa que deu a ‘vida em defesa de ideias’, defendeu o jornalista
Na Alemanha, ainda dividida pelo Muro de Berlim, descobriu uma personagem infinitamente mais rica do que a lembrada no Brasil: “era muito maior, um personagem que despertava não só meu lado político, a sedução por uma heroína mulher. Se hoje o mundo é tão misógino, machista e antifeminista, imagina isso 80 anos atrás. Ela era a única liderança da juventude comunista em Berlim”.
A tentativa de levante comunista foi sufocada pelo governo de Getúlio Vargas, e o casal foi da clandestinidade no Rio de Janeiro à prisão, em 1936. Benário estava grávida de sete meses. “A ordem policial era matar Prestes, mas aparece na porta uma mulher que não esperavam, loura, alta, grávida. Ela salvou a vida de Prestes. Se não tivesse pulado na frente dele com aquela barrigona muito provavelmente a polícia teria passado fogo”, revisa.
Prestes foi condenado a nove anos de prisão, e Olga acabou deportada para a Alemanha nazista. “Foi um processo demorado e muito ruidoso. A opinião pública ficou comovida, não tinha dois destinos se uma mulher judia fosse deportada para a Alemanha”, argumenta.
O jornalista contesta a versão de que Vargas tenha ordenado a deportação: “é evidente que se ele não tivesse tomado a iniciativa não teria acontecido, mas a responsabilidade é do Supremo Tribunal Federal. A Constituição da época dizia que a mulher que esteja esperando filho de um brasileiro era considerada não-deportável. Foi o STF que decretou a deportação”.
Benário ficou presa na Alemanha até o nascimento do bebê, a hoje historiadora e professora Anita Leocádia Benário Prestes. Levada a dois campos de concentração sucessivos, Olga Benário foi morta pelos nazistas em 23 de abril de 1942.
“Ela é executada no campo de concentração de Bernburg. Era uma escola, com um banheiro grande para os estudantes, e no lugar dos chuveiros puseram gás. Transformaram o que era uma escola numa câmara de gás.”
Questionado por Altman se haveria uma “Olga paz e amor” no Brasil de 2022, Morais responde: “ela não tratava regime com bons modos. Era uma revolucionária, veio ao Brasil para fazer a revolução, não tinha paz e amor. Ela resolvia no tiro”.