Entrevistado pelo jornalista Breno Altman, no programa 20 MINUTOS desta quinta-feira (19/05), para falar sobre os 40 anos da Guerra das Malvinas, entre Argentina e Reino Unido, o professor de ciências sociais e especialista em defesa, João Roberto Martins Filho, lembrou que todos os militares argentinos envolvidos no conflito deflagrado pela ditadura militar foram condenados à prisão perpétua, com forte apoio popular, e vários deles morreram na prisão. O Brasil, na contramão, fortaleceu a direita ao não julgar os responsáveis pela ditadura de 1964.
As tropas argentinas desembarcam nas Ilhas Malvinas em 2 de abril de 1982, e em 14 de junho a marinha britânica encerrou o conflito com retumbante vitória sobre a Argentina, levando ao colapso a ditadura militar então liderada pelo general Leopoldo Galtieri.
Na avaliação do professor, que é autor do livro O Brasil na Guerra das Malvinas – Entre Dois Fogos, em pré-venda pela Editora Alameda, o slogan “as Malvinas são argentinas” sintetizou o apoio da população argentina ao ataque do arquipélago, movida pelo sentimento de humilhação nacional pelo fato de uma região da Argentina ser ocupada tal qual na época dos impérios coloniais. Pelo lado britânico, segundo ele, o governo conservador de Margaret Thatcher ia mal e a guerra se transformou em unanimidade nacional, em nome da defesa do orgulho britânico.
Para explicar as motivações do ataque argentino, o especialista recorreu a um despacho diplomático que afirmava que a Guerra das Malvinas foi desencadeada por causa desejo da ditadura argentina de limpar sua péssima imagem internacional. “O erro principal da Argentina foi achar que o governo Ronald Reagan tinha uma relação especial com a ditadura argentina. Ele tinha, mas tinha uma muito mais especial com Margaret Thatcher”, afirmou.
Segundo Martins, os britânicos não davam nenhuma importância para essas ilhas, que possuíam apenas criação de ovelhas e uma produção petrolífera ainda em potencial, nada que justifique a ocupação. “As Malvinas não tinham nenhuma importância para a Grã-Bretanha, que talvez tivesse alguma expectativa na disputa sobre que direitos os países teriam na Antártida. Não acredito que houvesse mais interesse além disso”, analisou o professor.
João Roberto Martins Filho/Twitter
Martins é autor do livro O Brasil na Guerra das Malvinas – Entre Dois Fogos, em pré-venda pela Editora Alameda
Para ele, a ditadura argentina era boa em fazer guerra contra seu próprio povo, mas, como todas as ditaduras da América Latina, não estava preparada para fazer a defesa nacional. Mesmo assim, afirmou, a Argentina esteve muito próxima de vencer, o que teria sido uma desmoralização para a força-tarefa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na guerra. “Os britânicos chegaram provavelmente a pensar no uso de uma arma nuclear se viesse uma derrota”, disse. “Não eram favas contadas, a Argentina poderia ter vencido. Mas não sabemos qual seria a reação da Grã-Bretanha.”
A reivindicação argentina foi apoiada por Cuba e União Soviética. “O ditador Galtieri foi até Havana durante a guerra e foi recebido com todas as honras por Fidel Castro. A política tem umas coisas que a gente dificilmente entende”, observou, lembrando que a ditadura de Augusto Pinochet no Chile ficou a favor da Grã-Bretanha e votou junto com Colômbia e Estados Unidos na Organização dos Estados Americanos (OEA).
Quanto à atuação brasileira, com o general João Figueiredo no comando, o professor afirmou que o Brasil exerceu uma neutralidade que tendia para o lado argentino, e que a diplomacia brasileira nunca abandonou completamente a Argentina. O apoio militar efetivo brasileiro teria se resumido a ceder dois aviões para patrulhar o Atlântico Sul. No plano diplomático, Martins interpreta que o objetivo bem-sucedido do Brasil era não desagradar nenhum dos dois lados, mas principalmente a Argentina. “Diante da bagunça que é hoje o governo brasileiro, que consegue destruir qualquer instituição nacional, é chocante pensar que mesmo sob uma ditadura o Itamaraty foi preservado”, concluiu o pesquisador.
Para ele, a guerra foi um desastre para a Argentina e representou o desmoronamento e o fim para a ditadura militar. Com a humilhação nacional provocada pela derrota, os militares deixaram o poder em 1983 e sofreram uma rejeição nacional que desembocou em sua condenação não apenas pela guerra, mas também pelas horrores praticados durante o regime. Breno Altman lembrou a diferença no enfrentamento aos crimes militares na Argentina e no Brasil, e João Roberto Martins Filho observou que aqui a Comissão da Verdade tentou muito tardiamente resolver esse problema: “E olha no que deu, veja que reação de direita isso provocou. Não foi assim na Argentina, nem no Chile, nem no Uruguai. É uma sina nossa. Alguma coisa deu errado neste país”.