O jornalista e sociólogo espanhol Ignacio Ramonet afirmou, em entrevista ao programa 20 MINUTOS desta terça-feira (26/07), que uma eventual vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro relançaria um projeto unitário para a América Latina, reforçado pelo fato de que, pela primeira vez, Argentina, Brasil e México seriam governados simultaneamente pela esquerda.
Segundo Ramonet, a América Latina tem maturidade e experiência política suficientes para superar o modelo neocolonial e romper com a polarização atual entre Estados Unidos, de um lado, e China e Rússia, de outro. “A União Latino-Americana ou uma América Latina bolivariana deve definir uma política exterior que defenda seus próprios interesses, sem se alinhar”, defende.
Em termos mundiais, “é muito possível” que a guerra na Ucrânia represente um prólogo para o enfrentamento principal, entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) sob liderança estadunidense e a aliança sino-russa. A geopolítica mundial se reconfigura sob a ameaça de que o planeta se reorganize em termos de uma nova Guerra Fria. “Os Estados Unidos estão instrumentalizando a Otan, tentando evitar a dinâmica de um mundo multipolar para reconcentrar o que chamamos de Ocidente”, considera o sociólogo.
Ele analisa o contexto interno norte-americano no qual a guerra se desenvolve. “Os Estados Unidos estão muito mal, praticamente numa guerra civil cultural. É uma das sociedades mais doentes do mundo, extremamente dividida”, avalia.
O ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, numa tentativa fracassada de golpe de Estado por parte do republicano Donald Trump, conduz ao momento atual, com o presidente democrata Joe Biden acumulando 70% de reprovação popular.
“Se os republicanos ganharem as eleições legislativas em novembro, automaticamente Trump será candidato em 2024. Como ele reagiria, com sua maneira irracional, em nível internacional?”, pergunta, cogitando a intensificação da guerra diante da difícil situação econômica dos Estados Unidos. “Até agora, só se evitou a guerra nuclear. O resto todo está acontecendo.”
No outro polo, Ramonet diz não entender por que o presidente russo Vladimir Putin respondeu com guerra às provocações do lado ocidental (em eventos como o ingresso da Ucrânia na Otan): “Por uma parte, nos interrogamos sobre a atitude de Washington, mas não podemos deixar de nos interrogar também sobre a atitude de Moscou”.
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Jornalista e socíologo espanhol defendeu que a América Latina tem experiência política suficiente para superar o modelo neocolonial
Por que a Europa segue de forma incondicional aos comandos dos Estados Unidos?, questiona Altman. “Como europeu, me pergunto o mesmo. É uma humilhação que os europeus vivemos com essa atitude de vassalagem da Europa”, responde o entrevistado.
“Os europeus vão sacrificar setores muito importantes de sua economia para comprar armas e desenvolver as indústrias de armamentos dos Estados Unidos. É uma das consequências da ausência de personalidade política da Europa, em particular da União Europeia, que não tem um sentimento de identidade suficientemente forte.”
Enquanto isso, cresce a extrema direita neofascista, na Europa como nos Estados Unidos, para ele atrelada à crise migratória: “A riqueza da União Europeia tem descansado na mão de obra que vem de fora, de dezenas de milhões de homens e mulheres decididos a ficar aqui enriquecendo nossos países com suas culturas, seu trabalho e sua inteligência”.
O sociólogo avalia que a reação do lado conservador das sociedades é de xenofobia e racismo, e a extrema direita eleitoral de muitos países prega abertamente a expulsão em massa de imigrantes.
Esse desenho torna obsoletos os modelos social-democratas, que pretendam apenas colocar freios mínimos à dinâmica do capitalismo neoliberal: “Uma esquerda favorável a um compromisso com a situação atual não serve para nada, não tem perspectiva de ganhar eleições. Em compensação, qualquer proposta de ruptura com esse modelo, baseada numa sociedade ecológica, social e economicamente diferente, tem hoje grande apoio popular. Não majoritário, mas um grande apoio popular”.
Ele traz como exemplo a aceitação eleitoral de Jean-Luc Mélenchon junto aos franceses menores de 35 anos: “A juventude hoje está de acordo com que é o modelo que precisa mudar”.
De volta à América Latina, Ramonet destaca o êxito da perspectiva revolucionária na Venezuela, cujo crescimento econômico estimado para 2022 é de até 20%. “É como um milagre econômico venezuelano. Outro dia, o Washington Post chamava de ‘perestroika tropical venezuelana’, talvez com um pouco de ironia. Mas todos concluem que a revolução sem nenhuma concessão está funcionando.” A recente vitória na Colômbia e o provável triunfo no Brasil, países que fazem fronteira com a Venezuela, criarão contexto ainda mais positivo para a Revolução Bolivariana, conclui.
Ignacio Ramonet argumenta que, se os ciclos progressistas latino-americanas têm sido interrompidos por eleições ou por golpes, os ciclos de direita têm sido cada vez mais curtos. “Se Lula regressar ao poder, a experiência Bolsonaro terá sido muito curta. A esquerda na América Latina pode terminar governando por decênios, porque as sociedades estão clamando por mudanças que as esquerdas oferecem.” Uma eventual vitória da esquerda brasileira terá impacto planetário, não apenas geopolítico.
”Lula tem um capital humano em nível internacional que nenhum outro dirigente latino-americano tem. Foi o melhor presidente do Brasil, é um homem que tem a simpatia profunda das sociedades internacionais. Lula não é Prêmio Nobel da Paz, mas, no coração da humanidade, ele é”, afirma.