O economista João Pedro Stedile, membro fundador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em entrevista ao fundador de Opera Mundi, Breno Altman, no programa 20 MINUTOS desta sexta-feira (22/07), defendeu que só um movimento de massas nas ruas poderá garantir que um eventual terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva promova as reformas estruturais necessárias para o Brasil.
“Não tem mais como defender os interesses do povo sem apertar os cintos da burguesia”, defendeu, acrescentando que “estamos diante de uma crise do sistema capitalista, e isso vai exigir medidas do governo que afetem as estruturas capitalistas.”
Stedile usa uma imagem para definir o momento presente: “O Brasil está num quarto escuro e a eleição de Lula representa a porta da saída. Porém, seria ilusão acreditar que a simples eleição de Lula e Alckmin vai fazer as mudanças do Brasil. É preciso transformar a eleição numa luta de classes, que só se realiza se as massas participarem”. E reforça: “Da parte do MST, prometo que não faltaremos”.
Entre as mudanças estruturais urgentes, o economista destaca o setor industrial. “Temos que fazer uma revolução na indústria, criar um novo PIB industrial. Essa burguesia que está aí é uma burguesia subalterna, dominada pelas empresas transnacionais. Vamos sentar com a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo], com quem precisar falar, mas o Brasil precisa ser reindustrializado, sob outras formas organizativas”, diz.
O modelo vitorioso adotado pelo PT de 2002 em diante, de melhorar a vida da população sem investir prioritariamente em reformas estruturais, não será válido agora, na avaliação do entrevistado. “Não basta fazer a volta das leis trabalhistas para resolver a vida de 70 milhões de desempregados. Não basta construir casa lá no fim do mundo, é preciso pensar a cidade, e isso é uma reforma estrutural”, opina, afirmando ainda que “a mesma coisa com a reforma agrária, não basta mais desapropriar uma fazenda aqui e outra lá, agora é uma reforma agrária popular”.
Stedile diz reconhecer o ambiente desfavorável, de enfraquecimento da mobilização popular no Brasil da última década. Atribui a uma debilidade organizativa da esquerda, mas também à precarização do trabalho, sobretudo junto às classes trabalhadoras mais numerosas no país, as de comerciários, trabalhadores rurais e empregadas domésticas. “A esquerda estava acostumada com instrumentos históricos que funcionaram, partido, sindicato e associação. Nenhum deles consegue organizar os 70 milhões de brasileiros que estão na sarjeta. Só sabemos que essa população mora nas periferias e na maioria é de negros, mulheres e jovens. E aí, qual é a proposta?”, questiona.
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Economista João Pedro Stedile é membro fundador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Se por um lado a crise do capitalismo imobiliza milhões de brasileiros em situação de insegurança, desemprego, miséria e fome, o cenário tampouco é favorável para os setores burgueses, na análise de Stedile. “A burguesia, unida deu golpe contra Dilma, sustentou o famigerado governo Temer, botou Lula na cadeia e elegeu Bolsonaro”, declara, sustentando que essas condições diferenciam 2022 das vitórias golpistas de 1964 e 2016.
“A burguesia deu esses quatro golpes a partir de 2016, mas qual foi o resultado? A crise econômica, social, ambiental e política só se agravou. Então a burguesia foi derrotada politicamente no seu método e por isso hoje ela está dividida em relação aos próximos passos, ao processo eleitoral e ao futuro”, avalia.
Para sustentar essa hipótese, o líder do MST classifica como sintomáticos movimentos como o almoço de Lula com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a nota pública da Fiesp em defesa das regras democráticas (“o que, no fundo, é apoiar Lula”) e a adesão de Geraldo Alckmin (“não é uma adesão pessoal. Alckmin representa setores da burguesia que migraram para Lula”).
As conclusões são desfavoráveis também para o bolsonarismo: “Do ponto de vista político, não há nenhuma condição para uma aventura de Bolsonaro se sustentar. Ele é um pobre diabo, tão ignorante que nem tem consciência do seu papel na história. Na terminologia marxista, é um lúmpen, não representa a burguesia brasileira”. Stedile afirma que tem percorrido o Brasil com o objetivo de acalmar a militância amedrontada pelas ameaças bolsonaristas: “Parem de paranoia, não haverá golpe no Brasil, nem antes das eleições nem depois”, opina.
De volta ao fiel da balança que decidirá os rumos do país nos próximos anos, o economista diz confiar que o processo eleitoral trará condições para reacender o movimento de massas no Brasil: “Vamos ganhar as eleições em outras condições, não é mais o Lulinha paz e amor como foi em 2002. A campanha de agora vamos ganhar, mas vai depender de intensificar a participação popular de todas as formas possíveis daqui até outubro e depois e no governo a partir de janeiro. Lula tem consciência absoluta disso, os puxa-sacos dele é que não têm”.
O inesperado também pode acontecer, e o exemplo usado é o da Revolução Russa de 1917: “Num artigo famoso de 1916, Lenin escreveu que talvez a geração dele não veria mudanças. Um ano depois fizeram uma revolução, talvez provocada do ponto de vista psicossocial, por aquele massacre contra as mulheres e mães russas”. Ele reitera: a luta de classes na rua definirá se o programa a ser executado será mais inclinado às classes trabalhadoras ou à burguesia. Sem gente na rua, afirma, o Brasil não melhorará as condições de vida do povo nem muito menos recuperará a soberania desperdiçada.