Para encerrar uma semana dedicada a recordar os dez anos das chamadas Jornadas de Junho de 2013, o programa 20 MINUTOS desta sexta-feira (16/06) entrevistou o filósofo escritor e músico Vladimir Safatle, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais destacados intelectuais do país, autor de obras como “Cinismo e falência da crítica” (Editora Boitempo), “A esquerda que não teme dizer seu nome” (Editora Três Estrelas) e “Só mais um esforço” (Editora Vestígio).
Safatle também é um dos autores que colabora com o livro “Junho de 2013: a rebelião fantasma”, organizado por Maria Caramez Carlotto e Breno Altman. A obra lançado pela Editora Boitempo traz textos dos dois organizadores e também de figuras importantes como Camila Rocha, Jones Manoel, Paula Nunes, Lucas Monteiro, Mateus Mendes e Raquel Rolnik, além do prólogo de Dilma Rousseff, que era Presidente da República naquele período.
Em seu texto publicado no livro, Safatle defende que as Jornadas de Junho teriam marcado “o último ano da história da esquerda brasileira em suas estruturas hegemônicas”. Perguntado sobre essa definição pelo apresentador Breno Altman, o filósofo disse que, em junho de 2013 “a esquerda perdeu o protagonismo na definição a agenda política do país, passou a adotar uma postura muito reativa, e sem esse protagonismo, que passou para a extrema direita, a esquerda passou a ter que se comportar como sócia minoritária de grandes consórcios de poder, e nessa posição, mesmo que ela ocupe a presidência, ela não consegue governar”.
“O PT acabou sendo um sócio retardatário do sistema da Nova República. Quando a Nova República se instaura, com a eleição do Tancredo Neves, o PT estava fora do sistema, e batendo duro, um partido que não faz os acordos do colégio eleitoral, que insiste em que a Nova República havia sido fundada em cima da traição de um milhão de pessoas na Praça da Sé pedindo eleições diretas. A partir do momento em que o PT aceita o sistema de alianças da Nova República, o que se dá com a primeira eleição do Lula, fica muito evidente o processo lento e gradual de assimilação do partido como um sócio retardatário desse sistema de governabilidade”, analisou Safatle.
O filósofo também afirma que as Jornadas de Junho aconteceram quando o ciclo de crescimento e avanços econômicos realizados pelos primeiros governos do PT havia se esgotado. “Entre 2010 e 2014, São Paulo e Rio de Janeiro se tornaram duas das dez cidades mais caras do mundo. O preço dos imóveis nessas cidades triplicou. Você tem um aumento muito brutal do custo de vida nessas grandes cidades, que são as cidades onde o processo das Jornadas de Junho começa”, recordou.
Sobre o legado das Jornadas de Junho, o filósofo afirma que “o melhor legado seria que a esquerda entendesse de uma vez por todas que diante de um processo com pessoas nas ruas você não pode virar as costas. Diante de uma população se mobilizando por novos direitos, por melhores condições de vida, você não pode virar as costas. Isso aconteceu em 2013, se acontecer de novo será dramático e terrível para a esquerda brasileira e isso mostra, e mostrou limites estruturais da esquerda brasileira, sua estratificação de classe, sua dificuldade efetiva em saber lidar com situações nas quais você não controla claramente os processos. Então, que isso sirva de lição, embora, a princípio, parece que essa lição não foi integrada pela esquerda nacional”.