Presidente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o historiador Juliano Medeiros descreveu no programa 20 MINUTOS desta terça-feira (13/09), com o jornalista Breno Altman, as características do que chama de nova esquerda latino-americana, que propõe o resgate do enfrentamento ao capitalismo neoliberal, abandonado por correntes mais tradicionais.
“A nova geração de lutadores e lutadoras sociais vem com um nível de crítica muito mais acentuada à globalização neoliberal e traz uma agenda de temas outrora relegados ao segundo plano, como direitos humanos, direitos das mulheres, questão ambiental e democratização do poder do Estado”, descreve Medeiros, que está lançando o livro A Nova Esquerda Latino-Americana: Partidos e movimentos em luta contra o neoliberalismo (editora Autonomia Literária).
Como arquétipo dessa esquerda renovada que busca confrontar não só o sistema neoliberal, mas também sua forma política, a democracia liberal, Medeiros cita a coligação política Frente Ampla, liderada pelo presidente Gabriel Boric no Chile. “Tivemos lá quase 20 anos de uma aliança entre o Partido Socialista e a Democracia Cristã, que mostrou evidentes sinais de desgaste e fadiga. Isso foi um elemento importante para o surgimento dessa geração de lutadores e lutadoras que não reconhecem nos partidos tradicionais instrumentos adequados para levar à frente sua agenda política”, define.
Invertendo a máxima leninista de que sem teoria revolucionária não há prática revolucionária, o político celebra a organização por fora dos partidos políticos tradicionais que tem acontecido desde os anos 2010 e que ele classifica como impensável há um século. “Essas experiências consideram o partido um elemento a mais dentro de um leque de instrumentos disponíveis para a construção de uma hegemonia dos de baixo”, conceitua.
A nova esquerda, afirma, procura uma alternativa aos modelos tradicionais tanto do reformismo dentro das regras do jogo adotado pelo kirchnerismo na Argentina, pelo PT no Brasil e pela Concertación chilena, quanto dos refundadores do sistema político que buscam processos constituintes e a afirmação de novos pactos sociais na Bolívia, no Equador e na Venezuela.
O terceiro bloco expressa, em sua opinião, o desgaste dos projetos políticos de centro-esquerda, em particular da social-democracia em suas variações regionais, que “se enfiou até os cotovelos” na manutenção de um sistema político excludente: “A maior expressão disso é o Partido Socialista Francês, que foi liquidado nas últimas eleições. Mas é o caso também do Partido Socialista Chileno, ultrapassado por um bando de partidos criados nos últimos anos e liderados por um bando de jovens”.
PSOL/Reprodução
Historiador Juliano Medeiros é presidente nacional do PSOL
Altman cita o Syriza na Grécia, o Podemos na Espanha e a própria Frente Ampla no Chile como experiências que paulatinamente têm abandonado a perspectiva de ruptura com o neoliberalismo e por vezes até mesmo se subordinam ao imperialismo norte-americano, em assuntos como os ataques à Venezuela e a guerra na Ucrânia. O dirigente do PSOL defende a adesão do Podemos ao governo liderado por Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).
“Um partido que era essencialmente antissistêmico, do dia para a noite, vira um partido do governo. Hoje o Podemos vive um dilema, porque se fica no governo é um partido do sistema e se sai do governo está ajudando a extrema direita”, diz, sustentando que essa posição no governo não é suficiente para concluir que o projeto do Podemos tenha se adaptado ao neoliberalismo ou perdido o caráter antissistêmico. Para ele, esse é também o caso da Frente Ampla chilena após seis meses do governo de Boric.
Altman pergunta se as esquerdas radicais não se mostram menos anti-imperialistas que líderes como Luiz Inácio Lula da Silva ao apoiar o governo ucraniano ou criticar Cuba, China ou Venezuela. “Pepe Mujica, Lula e o chavismo ganharam relevância política num contexto de Guerra Fria, então é natural terem uma posição mais assertiva que a de uma geração de esquerda que está se forjando e consolidando num mundo muito mais complexo”, ele responde.
Medeiros avalia que o PSOL ainda sem encontra num meio termo com relação a pertencer à nova esquerda: “Surgimos muito ainda na perspectiva de uma renovação do PT. Queríamos voltar no tempo e ser o PT dos anos 1980. Mas não só isso não é possível, como o mundo foi se transformando e novos atores e lutas sociais passaram a ter cada vez mais centralidade”. O PSOL seria, assim, um partido misto, que tenta não renegar o melhor da tradição política da esquerda brasileira, mas quer se abrir para o novo.
A entrada de integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) no PSOL, tema de que Juliano Medeiros trata em A Nova Esquerda Latino-Americana, foi determinante para a evolução do partido rumo ao novo. “Não só o MTST, também uma série de lideranças indígenas, intelectuais, lideranças feministas. O PSOL é muito diferente do que ele era nos primeiros anos, e isso é muito bom. Hoje é um partido mais parecido com o povo brasileiro, está mais nas periferias, tem mais povo, preto, mulher, LGBT, ambientalista”, afirma.