No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta sexta-feira (08/04), o jornalista Breno Altman entrevistou a professora, editora do Esquerda Diário e uma das fundadoras do Quilombo Vermelho, Leticia Parks, sobre o “novo” proletariado.
Ao contrário da imagem tradicional que se tem “do operário de macacão musculoso”, ela apontou para o fato de que o proletariado contemporâneo é “majoritariamente feminino e, no Brasil, ele é feminino e negro, além de ter grande presença LGBTQI+”.
Parks discordou de especialistas que falam na dissolução do proletariado, provocado pelo neoliberalismo, e o deslocamento da luta de classes da fábrica (ou do ambiente de trabalho em geral), para a rua e os movimentos sociais.
“A precarização do trabalho é algo que ocorreu nos últimos 30 anos num ciclo de restauração burguesa que ocorreu com o fim da URSS, junto com uma ofensiva neoliberal, que retirou uma série de direitos de bem-estar social que haviam sido estabelecidos pela burguesia porque tinham medo de que se alastrasse a perspectiva de revolução socialista. Mas a gente ainda vive num sistema capitalista com uma classe possuidora dos meios de produção e outra ‘possuída’ que só pode vender sua força de trabalho, desde domésticas a trabalhadores da indústria”, contextualizou a professora.
Ela reconheceu que, nessa nova realidade, ocorrem revoltas importantes materializadas fora dos sindicatos, como o movimento Black Lives Matter nos EUA. “Mas os movimentos desse tipo, enquanto podem dirigir grandes revoltas, não conseguem derrubar o poder. E por quê? Porque isso só vai acontecer se forem tomados os meios de produção e ela for colocada a serviço da classe trabalhadora. Embora as coisas se combinem, a gente só vai transformar a realidade atacando o poder central do capitalismo, que é a produção de riqueza, por meio da organização do proletariado.”
Parks reforçou que o efeito da modernização das relações de trabalho não foi de substituir o proletariado, por isso não é possível falar em sua dissolução. Tem-se essa impressão, segundo ela, por conta da precarização, que é uma forma de impedir a classe trabalhadora de se unir e questionar os dilemas políticos e econômicos atuais.
Por outro lado, essa mudança de perfil “cria mais poder e mais força de luta para a classe trabalhadora, pois hoje em dia ela produz muito mais. O que ocorreria se o operário decidisse parar de produzir? Hoje ele é muito mais poderoso, o que é uma contradição para o capitalismo, então ele busca cooptar esse setor”.
Novas formas de organização
Como resultado desse novo cenário, vem ocorrendo o esvaziamento ou a burocratização dos sindicatos, o que, por sua vez, gera desilusão por parte da classe trabalhadora, que passa a rejeitar essa forma de organização, enfraquecendo-a ainda mais.
Arquivo pessoal/Facebook
Letícia Parks foi a entrevistada desta sexta-feira (08/04) do 20 MINUTOS ENTREVISTAS
“Hoje os trabalhadores pensam que não precisam mais se sindicalizar porque fazem a luta nos movimentos. A separação do sindicato em relação aos movimentos sociais é problemático, como se fossem coisas totalmente dissociadas. Eu entro no meu trabalho carregando o racismo e o patriarcado, sou a mesma pessoa. Então precisamos articular os sindicatos com os setores mais dinâmicos da classe trabalhadora para recompor a luta social”, defendeu a professora.
Ela enfatizou que essas formas “tradicionais” de organização são cada vez mais importantes, sobretudo à medida em que o capital vai se concentrando, gerando mais crises e guerras “e uma burguesia que, para sobreviver, nos assassina” — ainda que hoje os desafios sejam maiores, por exemplo no caso de setores que não possuem um local de trabalho coletivo.
“A gente pode olhar para outras experiência. Na Argentina criou-se a Red, uma rede de trabalhadores de aplicativo usando as facilidades que eles têm, por exemplo a vantagem organizativa por meio da comunicação por redes sociais, para aproximá-los em seus seus bairros e buscar as categorias consolidadas de trabalhadores daqueles bairros para apoiá-los. Porque isso é importante, a classe trabalhadora ‘tradicional’ precisa reagir de forma positiva a esse movimento porque se eles só contarem com a força deles, vão encontrar várias tentativas de cooptação”, refletiu.
Sublinhando mais uma vez a importância dos sindicatos, também como espaços de formação política, Parks relativizou a criação de cooperativas para combater o trabalho precarizado, apontando suas limitações: “está competindo contra mega empresas”.
“Por mais que seja uma saída comum, vai se esbarrar com essa contradição. O dilema é tentar competir num mercado dominado por megaempresas. É preciso sindicalizar em última instância, porque a cooperativa oferece só uma saída pela renda e é preciso deslocar isso para uma saída pelo trabalho. A cooperativa não tem capacidade de resolver questões de acidente de trabalho ou de desemprego e demissões como tem o sindicato”, argumentou.
Paralelamente, estão os partidos e organizações partidárias. A conquista do governo pode e até deve ser buscada para massificar um projeto revolucionário e conquistar reformas importantes que podem levar a esse processo. “Mas é importante lembrar que os revolucionários precisam fazer mais do que isso, não podem substituir um programa revolucionário por um reformista, até porque assim a gente deixa de avançar, não podemos cair nessa contradição”, concluiu.