O programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (01/07) recebeu a cineasta brasileira Maria Augusta Ramos, diretora do recém-lançado documentário Amigo Secreto.
O filme aborda a Operação Lava Jato à luz das revelações da chamada Vaza Jato, que em 2019 tornou públicos diálogos comprometedores travados entre os procuradores envolvidos na força-tarefa. Na avaliação da diretora, o discurso anticonstitucional, anti-Congresso e antipolítica utilizado pelo governo de Jair Bolsonaro é consequência do modo como a operação foi conduzida pelo agora ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores que integraram a operação.
“Eles criaram um monstro, que agora ataca a democracia, o STF, o sistema de Justiça. É uma consequência do que Moro e os procuradores faziam, constantemente atacando o devido processo legal, passando por cima de direitos individuais e da presunção de inocência”, afirmou a cineasta.
Seu documentário acompanha as equipes de jornalistas dos veículos The Intercept Brasil e El País Brasil nos trabalhos de apuração da Vaza Jato.
A inspiração para a obra é o chamado documentário de observação, que Ramos já utilizou em outros trabalhos, como O Processo (2018) e Justiça (2004). No caso de Amigo Secreto, há entrevistas porque o documentário retrata o trabalho dos jornalistas dos dois veículos escolhidos pela cineasta.
Ramos diz que o filme procura retratar um “outro lado da moeda”, que a força-tarefa da Lava Jato escondeu da opinião pública com colaboração direta da grande mídia. “Ficou muito claro para mim que o caminho a seguir seria acompanhar jornalistas da mídia independente que se debruçaram sobre as mensagens vazadas e, a partir dali, propor uma releitura da Lava Jato”, explica.
Classificando a Lava Jato como uma operação bancada pela grande mídia e por setores da elite que queriam a remoção da esquerda do poder, Ramos vê um conluio ilegal e antidemocrático entre os atores da operação e a mídia, o que justifica a procura de pontos de vista alternativos: “o filme é também um tributo à boa imprensa, à imprensa ética, independente, minuciosa, que busca pela verdade dos fatos. A imprensa é a quarta instituição da democracia, e tem que funcionar para manter uma democracia saudável. O que a gente viu foi que a mídia também ajudou a produzir esse monstro.”
Questionada pelo jornalista Haroldo Ceravolo Sereza se pensou ou tentou entrar também em alguma das redações dos veículos maiores, disse que não. “Tenho que ter uma relação muito íntima com meus protagonistas, que têm que se doar e ter confiança total em mim. Me pergunto se a Folha de São Paulo ia me dar a independência que El País me deu. Duvido muito”, disse.
Neutralidade no documentário?
A reversão de narrativa desde a Vaza Jato não veio acompanhada da tão apregoada autocrítica por parte das instituições de mídia, e Ramos não espera que venha.
Divulgação
Cineasta brasileira Maria Augusta Ramos foi a convidada do programa ’20 MINUTOS ENTREVISTA’ desta sexta-feira (01/07)
A cineasta não situa o gênero do documentário no campo do jornalismo. Esse, pela própria natureza e instantaneidade, é levado a atropelar, por exemplo, o tempo jurídico dos fatos, levando a descontextualizações e distorções, involuntárias ou não. O documentário pode adicionar as dimensões do tempo, da reflexão e da emoção.
Tal reflexão não se pauta pela busca de neutralidade, e Ramos duvida que essa seja possível, mesmo na indústria de notícias. Mesmo incorporando uma visão de mundo particular, ela toma como comprometimentos inegociáveis a ética, a verdade e o respeito.
“O juiz Sergio Moro é editado com respeito, da mesma maneira que os outros personagens. Não é editado de maneira sensacionalista, nem no sentido de ridicularizá-lo”, delimita.
Em cartaz nos cinemas, Amigo Secreto não está nem estará a curto prazo nas plataformas de streaming, segundo sua diretora, devido à janela exigida pelo período eleitoral, mas também a sua natureza: “filmes como esse não são facilmente produzidos por plataformas de streaming, porque são filmes políticos, que envolvem interesses econômicos. Os streamings não são independentes, a gente tem que entender isso. São empresas privadas, que têm interesses não só em lucro, mas de todo tipo”.
Embora não apanhe a desistência de Moro em disputar a Presidência da República, Amigo Secreto cita a possível candidatura e o fato de o ex-juiz ter se tornado efetivamente um político. “Ele se filiou num partido, e isso é muito simbólico e significativo de tudo que a gente viveu e da própria Lava Jato”, afirma a diretora.
Despreocupada em ostentar falsa neutralidade, Ramos responde se seu filme poderia impactar a eleição de 2022: “eu adoraria que impactasse, porque o que a gente está vivendo é algo tenebroso, sombrio. Eu, como cidadã brasileira, espero de corpo e alma que Lula ganhe estas eleições. Isso tem que acontecer, é uma questão de democracia contra barbárie”, conclui, observando que Amigo Secreto foi pensado para as salas de cinema e não para Netflix, Amazon ou Globo.