No 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (24/03), o jornalista Breno Altman entrevistou o cientista político e professor de Relações Internacionais da UFABC Mathias Alencastro, que também é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrape).
Segundo ele, “aconteça o que acontecer”, o conflito na Ucrânia está sepultando a ordem unipolar, que nasceu da derrota geopolítica da União Soviética e, portanto, da Rússia, já que este país agora quebrou o monopólio da guerra antes detido pelos Estados Unidos.
“Agora, se vamos entrar numa ordem multipolar ou bipolar, isso depende da gente, porque vamos ter já um mundo bipolar integrado de competição entre EUA com a China e a Rússia, mas podemos ter outros polos que poderão se posicionar e competir. Um deles pode ser a União Europeia, se ela conseguir se emancipar da tutela dos EUA, e o outro a América Latina, se tivermos um projeto de integração”, defendeu.
O professor explicou que a América Latina, além de mais eficiente, se integrada, teria o potencial de ser o maior polo democrático de desenvolvimento humano, “sem bomba nuclear, sem militarização”.
“E com Lula, que é talvez o maior líder global da atualidade, pois em sua biografia vemos não só sua ligação com o Brasil, mas com a América Latina, com a China, com a África e até com a Europa, no que diz respeito à história da socialdemocracia, por exemplo. Então ele eleva automaticamente o lugar do Brasil no mundo e tem o potencial de retomar os projetos de integração latino-americanos que poderão levar a relações mais ambiciosas com os EUA e a China, e nos colocar em nosso lugar de potência climática”, discorreu.
Alencastro reforçou também a importância da África para a construção desse eixo “não alinhado”, e como é o Brasil quem poderá aproximar o continente da América Latina, e destacou que “o momento é agora”.
De acordo com o pesquisador, esse trabalho deve começar o mais rápido possível para poder resistir ao contencioso que inevitavelmente virá dos EUA.
‘Não estamos tão próximos da paz’
Entretanto, a ideal ordem multipolar pode estar mais distante do que se imagina. Falando de forma mais detalhada sobre o conflito na Ucrânia, Alencastro classificou-o como preocupante, já que “a invasão russa contribui para a construção de precedentes negativos, inclusive para a América Latina, ainda que ela tenha sido ativada por experiências ocidentais principalmente vindas dos EUA, e que seja uma reação ao tensionamento provocado integralmente pela Otan”.
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Segundo o pesquisador, ‘aconteça o que acontecer’, o conflito na Ucrânia está sepultando a ordem unipolar
Ele explicou que Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, e a heroização que vem ocorrendo nos EUA e na Europa em torno dele, são ambos perigosos e artificiais. “Ele tem um discurso bélico, está sempre pedindo mísseis e tanques, animando uma terceira guerra mundial”, alertou.
Por outro lado, a Rússia, ainda que diga que combata os males do governo de Zelensky, “que são reais e indiscutíveis”, falando em “desnazificação”, por exemplo, “é um combate à la carte, porque, para Putin, os nazistas não são iguais no mundo inteiro. Ele chegou a financiar a Marine Le Pen na França que negou a existência do holocausto”.
“Mas a Rússia tem dois objetivos: neutralizar Zelensky, que acho que pouco a pouco vem conseguindo, o discurso dele vem sendo desconstruído; e conquistar as regiões separatistas do Donbass, o que ainda não se deu. Acho que se isso tivesse acontecido, estaríamos mais próximos da paz”, ponderou.
Alencastro reiterou ser pessimista com relação à solução do conflito. Para ele, as opções que estão sendo apresentadas são insuficientes e não levam em consideração a situação geopolítica atual e os demais atores envolvidos, que não são apenas Rússia e Ucrânia.
“Acho que estamos em um conflito entre a Rússia e a União Europeia em que a Ucrânia é a bucha de canhão. Acho que enquanto não sentarem para negociar Putin, Zelensky e a UE, não chegaremos a um acordo estável”, refletiu.