No programa 20Minutos Entrevistas desta sexta-feira (09/04), o jornalista Breno Altman entrevistou a professora do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Monica Bruckmann. Durante a conversa, a estudiosa sobre o crescimento latino-americano avaliou a possibilidade de um retorno de governos progressistas devido à crise do neoliberalismo, agravada pela pandemia mundial.
“Paradoxalmente, um processo que mostrou o fracasso do neoliberalismo, gerou a transferência de recursos para os setores que querem a continuidade desse sistema”, pontuou. Para Bruckman, principalmente na América Latina, estão em disputa no momento o “neoliberalismo 3.0” e um outro modelo de desenvolvimento, desde uma perspectiva de soberania, que promova reformas estruturais.
Em relação ao embate, a professora se mostrou otimista: “Acho que veremos uma reação frente aos processos que nos trouxeram até aqui e isso vai iniciar um novo ciclo. Já estamos vendo o mundo se regionalizando para se fortalecer”.
Nesse sentido, diante de “uma nova onda de organização multilateral”, a “recuperação da integração regional deve ser a prioridade dos governos progressistas na América Latina”.
Rediscutir o desenvolvimento
Para Bruckmann, sem organização regional, os países não conseguirão superar as “questões imediatas que são sequelas da crise”: a pobreza e a miséria, provocados pelo excesso de privatizações e os efeitos da terceirização do trabalho. A professora, portanto, defende o aumento de políticas de proteção social e de melhora dos serviços de saúde pública, além de investir em economias de baixo carbono.
Diante desse cenário, ela acredita que “está surgindo um novo potencial das relações sul-sul de uma nova coordenação mundial orientada para uma rediscussão do desenvolvimento”. “O que significa desenvolvimento na nossa região no momento? É aproveitar o boom dos commodities que virá, mesmo depois da devastação ambiental colossal que ele acumulou nos territórios?”, questionou.
Ela explicou que a Europa e a Ásia já caminham para processos de desenvolvimento sustentável e que a América Latina deve encarar a situação com cuidado, pois não há aliados nesse cenário.
“A descarbonização da economia, a chamada neutralidade climática que os europeus pretendem ter, leva à transformação de dois setores estratégicos: geração de energia e transporte. Tanto para a transição para essas energias limpas, quanto para a substituição do parque automotivo em veículos elétricos, você precisa multiplicar o consumo de minerais estratégicos não energéticos. Um veículo elétrico precisa de 55 vezes mais de minérios que um convencional para produzir suas baterias”, contou a professora relembrando que a América Latina possui grande parte das reservas de minerais estratégicos cuja demanda vai se intensificar.
“A visão que a América Latina precisa ter, portanto, é de pensar qual o desenvolvimento que quer ter. Porque a exploração desses minérios tem todo um impacto ambiental, de empobrecimento das regiões e expulsão das populações que vivem nos locais das reservas”, ressaltou.
Para evitar esse cenário, além da colaboração regional, Bruckmann reforçou a necessidade de investir em serviços de proteção à população para conter processos de dependência e de geração de mais pobreza e miséria. “É a ideia de soberania, que temos que retomar”. Ela vê como necessários investimentos não só na área da saúde, “mais imediata”, mas na do trabalho, gerando mais empregos e protegendo os existentes.
“O que a gente viu na pandemia foi um processo colossal de transferência de recursos financeiros. No Brasil, os bancos emprestaram o dinheiro que deveria salvar pequenas e médias empresas, para as grandes empresas. Só de deixar de entregar nossos recursos para bancos e empresas, teríamos recursos suficientes para cumprir com medidas de auxílio à população” disse, defendendo que é preciso juntamente uma reorganização do sistema tributário.
Iniciativas regionais devem ir além
Falando sobre fortalecimento regional, Bruckmann afirmou que não basta apenas retomar os antigos projetos existentes na América Latina e América do Sul, como a Unasul, é necessário ir um passo além.
Em referência à onda progressista do início do século 21, que deu início às coordenações regionais, ela criticou: “Ter consciência de uma mudança estrutural não é suficiente. Falta uma estratégia muito bem definida que a nossa região não teve, salvo algumas exceções, como o Equador”. Além da criação de “instrumentos reais para realizar esses processos”.
Ela relembrou que, mesmo durante a onda progressista, que promoveu a aproximação sul-sul com a China, por exemplo, “não conseguimos ser progressistas na economia, não fizemos mudanças que nos tirassem da condição primária de exportadores. Diria até que foi agravada”, citando o caso do Brasil.
“Após o golpe contra a Dilma [Rousseff], ficou pior ainda porque houve a desindustrialização da nossa economia. Viramos exportadores de minério de ferro, não era nem mais de aço. Eram commodities sem valor agregado”, pontuou.
Bruckmann, que trabalhou na Unasul, disse que o grupo propôs projetos estratégicos de retomada da soberania e reorganização do desenvolvimento, “mas enfrentamos os interesses colossais do setor de mineração e commodities do mundo todo. E os processos antidemocráticos na região não nos deu mais tempo para seguir desenvolvendo estratégias”.
Isso não significa, contudo, que a Unasul e iniciativas de outros espaços de integração, como a Celac, não tiveram importância.
“Foram fatos históricos muito relevantes cujo legado permanece. A cada momento que os processos de integração vieram, veio uma contra revolução, mas o que vejo nos processos é que, quando eles voltam, voltam com mais intensidade. Acredito que essa reação é possível”, concluiu.