Na entrevista desta quarta-feira (24/05), o 20 MINUTOS recebeu o historiador e ex-deputado federal Manuel Domingos Neto, em uma conversa sobre como tem avançado a relação entre o governo Lula e os militares, transcorridos quase cinco meses do terceiro mandato do petista no Planalto.
Segundo o convidado, “a estratégia de separar a política externa por um lado e a política de defesa por outro já está gerando certo conflito [com os militares]. Por outro lado, nós temos a investigação dos atos golpistas, que continua sendo fonte de tensionamento permanente. Muitos bolsonaristas permanecem [em cargos públicos], há muita coisa a ser feita”.
“Eu imagino o que haverá quando entrar em pauta a punição a comandantes envolvidos no 8 de janeiro. Já pensou que complicação? Porque o STF definiu que a apuração disso será pela Justiça comum”, lembrou Domingos Neto.
O historiador também falou sobre o incômodo dos militares ao ter que ceder poder para civis, especialmente no que diz respeito ao Ministério da Defesa. “Ao longo dos anos eu perguntei a vários generais qual é o perfil do melhor ministro da Defesa. Todos eles me responderam: ‘aquele que não nos chateiem e que tenham prestígio para conseguir verbas’. Recentemente, a resposta foi acrescida de um outro dado: ‘aquele que não tenha pretensões políticas’. Por que o ministro não poder ter essas pretensões se o seu cargo é essencialmente político?”, contou.
“O Ministério da Defesa, assim como outros cargos governamentais, são percebidos pelas Forças Armadas como coisa sua. ‘Não entrem, não mexam, não nos aborreçam, vocês não entendem nada…’, e o que nós precisamos é quebrar o monopólio desse conhecimento. Sem essa quebra eu realmente não acredito [em uma verdadeira submissão das Forças Armadas ao poder civil]”, afirmou.
Domingos Neto também comentou o fato de que se realizará, entre os próximos dias 30 de maio e 1º de junho, um Seminário Internacional de Doutrina Terrestre do Exército, evento que causou polêmica por ter em seu documento de convocação uma lista de nações amigas em que se cita países como Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unidos, mas que não menciona nem China nem Rússia, países aliados do Brasil nos Brics.
Para o historiador, “esse seminário mostra características de intimidade, porque fala sobre doutrina. O que é doutrina militar? São princípios que dirigem o preparo e o emprego de tropas. Inimigos não discutem doutrina. São organizações e países que têm perspectiva de atuação conjunta os que discutem doutrinas”.
“O militar brasileiro se sente integrado a um sistema, ao complexo estadunidense, a partir do fato de que há um controle ao material de defesa, do material de guerra. O Brasil não tem independência, não tem autonomia nesse sentido. O Brasil não tem capacidade de negar [aos Estados Unidos] o uso do mar, do seu território, o seu espaço aéreo, não tem capacidade de confrontar no campo cibernético. Então, é um país militarmente dependente [dos Estados Unidos]. A nossa soberania é rigorosamente comprometida nessa área”, acrescentou Domingos Neto.