No programa 20 MINUTOS ENTREVISTA desta segunda-feira (14/03), o jornalista Breno Altman entrevistou o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Victor Marques, também diretor de desenvolvimento da revista Jacobin Brasil.
Falando sobre a publicação, Marques disse se tratar de um instrumento de agitação “que levanta a bandeira vermelha” socialista, buscando tornar ampla uma análise da sociedade visando sua mudança radical. Nesse sentido, o diretor é otimista. Ele reconheceu que o capitalismo não vai “cair de maduro” e que sendo um sistema de crises as utiliza para “se reconfigurar e retransformar”, mas que “nunca estiveram tão postas as condições técnicas e materiais uma vida comum superior à que temos hoje”.
“Temos que voltar e acho que estamos voltando a falar em socialismo. Estamos vendo uma multiplicidade de crises, incluindo agora ecológica, que está comprometendo as condições de vida humana na terra. Isso fortalece a possibilidade de pensar numa alternativa sistêmica”, argumentou.
Para Marques, mais do que mostrar que outra forma de viver é possível, “que isso acho que já está exaustivamente demonstrado”, é necessário pensar como construir poder social para levar a cabo as transformações, sobretudo na realidade do século 21 em que a classe operária não está mais nas fábricas.
“No momento em que a crise do capitalismo se aprofunda e as condições para estabelecer o socialismo avança, vemos um processo agudo de decomposição da capacidade de ação coletiva da classe trabalhadora, mas ainda acreditamos que é ela o sujeito que pode fazer a revolução. Se não o for, vamos ter pequenas vitórias, mas seremos derrotados no longo prazo”, defendeu.
Organização da classe trabalhadora
De acordo com o diretor da Jacobin, a pauta se faz mais urgente diante do surgimento de direitas antissistema, radicais e que vão se constituindo como alternativa eleitoral com o avanço do neoliberalismo, que leva à desmoralização da política, à terceirização do emprego e à fragmentação do proletariado
“Temos que reativar a nossa organização pensando nos novos ramos do trabalho, como os entregadores, e o setor de serviços, construir em torno deles. Sem tematizar isso, não vamos conseguir avançar”, refletiu.
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Victor Marques disse que Jacobin Brasil é um instrumento que ‘levanta a bandeira vermelha’ socialista
A tarefa parece especialmente difícil para a esquerda, que não viu o surgimento de um ala antissistema como ocorreu com a direita, porque “sofremos muitas derrotas que foram desmoralizantes” — como a de Alexis Tsipras na Grécia e a de Jeremy Corbyn no Reino Unido — e “não fomos tão bem-sucedidos na utilização das redes sociais, por exemplo”.
“Por outro lado, a direita também teve seus reveses. No Brasil vemos uma juventude com sangue nos olhos. Nos EUA, [Donald] Trump foi derrotado e vemos um fenômeno em que a maior parte da juventude se diz favorável ao socialismo. Claro, temos que nos perguntar o que entendem por socialismo e entendemos que se discute o conceito muitas vezes de maneira frouxa, mas é um fenômeno social sem precedentes”, destacou.
Ele também mencionou como fatores de animação a experiência chinesa: “Temos muito o que aprender, seja com sua revolução ou sua forma de desenvolvimento autônomo às margens do sistema capitalista. A China colocou uma novidade sobre a mesa, ofereceu um modelo que não é neoliberal, independente de ser socialista ou não. É uma experiência inspiradora de que é possível ter crescimento econômico, erradicar a pobreza e desenvolver tecnologia sem privatizar o sistema financeiro, com planejamento e controle estatal”.
China e Rússia: líderes do ‘novo’ socialismo?
Entretanto, Marques disse não acreditar que o país asiático serviria de líder em direção a um “novo” socialismo, até porque ele afirmou não ter “certeza se a China tem interesse em ocupar essa posição”.
Ele lembrou que os chineses recuaram em relação ao movimento comunista internacional na década de 1970, sem defender a unidade popular como fez a União Soviética, que oferecia grande solidariedade internacional a Cuba, Vietnã, Nicarágua e outras nações socialistas.
“Nem acho que a Rússia ocuparia esse papel. Você vê que os discursos de [Vladimir] Putin são marcadamente anticomunistas. Acho que ele tem uma atuação geopolítica ambígua, com posições anti-imperialistas na América Latina e no Oriente Médio, mas alinhando-se a discursos anti europeístas, muitas vezes de extrema direita, na Europa”, ponderou.
Tendo em vista a postura da Rússia, o professor da UFABC analisou o conflito militar na Ucrânia. Ele afirmou que a posição da revista é de que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não deveria existir: “É uma aliança militar agressiva, assediadora que responde aos interesses imperialistas dos EUA. É a posição da Otan a causa última do conflito, a escalada é de responsabilidade da organização”.
Porém, já desde seu ponto de vista pessoal, Marques classificou a guerra como de invasão, um conflito ilegal em termos do direito internacional.
“Claro que havia ali uma situação no Donbass que exigia algum tipo de resposta. E quando a operação russa é anunciada, Putin dá a entender que ela seria de proteção às repúblicas populares de Lugansk e Donetsk, ele até tinha justificativa, mas virou uma operação militar completa que a gente não sabe onde vai dar, quais são seus objetivos políticos. Não devemos considerar Putin um amigo, nem um aliado circunstancial. Agora, a responsabilidade da escalada do conflito é da Otan e no mundo ocidental o nosso papel é denunciar seu caráter agressivo e belicista”, enfatizou.