Combinando questões gerais e outras bastante pessoais, Opera Mundi traz o especial A Pandemia no Mundo. O objetivo é verificar o impacto da covid-19 em diferentes países. Trata-se de uma enquete: as mesmas 27 perguntas são repetidas para moradores deles, de modo que as respostas possam ser acompanhadas e comparadas.
Quando a pandemia começou, dizia-se muito que o coronavírus era “democrático”, atacando igualmente pobres e ricos, brancos, asiáticos e negros, homens e mulheres.
O que a realidade mostrou é que os pobres são mais vítimas da covid-19, como a condução das políticas de saúde por governos de todo o mundo resultou em radicais diferenças no número de contaminados e de mortos.
Quem responde as perguntas hoje é a professora Monica Deitos Stedile, de Macau, na China, e Melbourne, na Austrália.
1. Descreva o grau máximo de isolamento social praticado onde você está.
Em Macau, onde estive até o fim de janeiro, o isolamento social era intenso. Atualmente, assim como onde estou no momento (Melbourne, na Austrália) as restrições estão sendo revistas e ajustadas de acordo com as informações a respeito do nível de contágio e o número de casos.
2. Quando começou sua quarentena?
Eu comecei a quarentena em Macau em janeiro, por volta do dia 15, eu acho. No final de janeiro vim para Melbourne visitar o meu namorado durante o Ano Novo Lunar e acabei não podendo retornar a Macau devido ao fechamento das fronteiras. Estou em auto-isolamento em Melbourne desde o fim de fevereiro.
3. Quem está com você?
Em Macau estava com a minha colega de apartamento, também professora lá. Em Melbourne estou com o meu namorado.
4. É fácil conviver assim?
Acredito que essencialmente não seja fácil, considerando todas as circunstâncias com que tivemos de lidar derivadas da própria pandemia, como questões de imigração e trabalho online. Mas no fim tem sido uma experiência de fortalecimento de laços e aprofundamento da nossa comunicação.
5. Quando você sai de casa?
Então, em Macau eu saía de casa apenas para comprar comida e procurar máscaras pra comprar. Em Melbourne também fiz isso de fevereiro até a segunda semana de junho, quando começaram a relaxar um pouco as restrições. Mas até agora só visitei um amigo e fomos tomar café fora.
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6. Teve ou conhece alguém no país em que está que teve covid-19?
Em maio meu namorado precisou fazer o teste porque houve suspeita, mas deu negativo. Não conheço ninguém que tenha tido covid-19, nem na Austrália nem em Macau.
7. Como viu a ação do governo do país em que está em relação ao coronavírus?
Em Macau inicialmente me senti bastante às escuras. Não falo nem mandarim nem cantonês, e senti que a informação demorou um pouco a chegar em nós, os estrangeiros. Nesses tipos de situação, qualquer um dia já faz diferença. Quando saí para comprar máscaras, não encontrei mais nada e não tinha direito de comprar das farmácias com as quotas do governo porque não era residente permanente (meu visto é de trabalho). Me senti abandonada, esquecida. Após protesto dos estrangeiros, o governo aceitou ampliar a venda de máscaras para aqueles com vistos de trabalho como o meu. Mas quando isso aconteceu eu já tinha saído de lá. As medidas que eles tomaram parecem ter sido eficientes, mas eu gostaria de ter tido mais informações no início e ter podido comprar máscaras tão cedo quanto os residentes. Na Austrália me senti mais a par de tudo, as informações eram compartilhadas amplamente nas redes sociais e por SMS. Também é importante lembrar que eu peguei a primeira onda do vírus na China, e até o momento em que ele chegou na Austrália, já se sabia muito mais. São situações bastante diferentes.
8. Ela mudou muito com o tempo?
Sim, em Macau principalmente fui percebendo, mesmo depois que saí de lá, que o governo foi se adaptando às necessidades da população não chinesa também, e levando isso em consideração nas suas medidas. No entanto, um dia quando acordei eu tinha recebido uma mensagem do meu chefe dizendo que eles haviam fechado as suas fronteiras e eu então tive de cancelar o meu voo de volta, mesmo tendo visto de trabalho, apartamento alugado lá, etc. Não critico as medidas tomadas, pois sei que todos nós fomos nos adaptando às circunstâncias, mas acredito que eu teria me beneficiado de mais informações com mais antecedência a respeito dos planos e medidas do governo, o que aconteceu na Austrália.
9. Você está neste país por que motivo?
Eu vim no fim de janeiro passar o Ano Novo Lunar com o meu namorado.
10. Acompanhou a situação brasileira?
Sim, me mantenho constantemente informada da situação brasileira pela mídia e também pelos meus familiares e amigos que residem lá.
11. A embaixada brasileira se comunicou com você ou com pessoas que você conheça?
Sim, ainda em Macau foi a página no Facebook do Consulado Geral de Hong Kong que me manteve informada de várias questões. Na Austrália, a embaixada sempre respondeu os meus emails com rapidez e gentileza, e me deram sugestões de como proceder para lidar com as minhas questões de imigração aqui.
12. O governo brasileiro ofereceu algum tipo de ajuda?
Eles foram muito solícitos, e me orientaram a respeito dos meus direitos nos dois lugares, em Macau e na Austrália. Para mim foi muito importante ter tido essa experiência positiva com eles num momento tão difícil.
13. Como você acompanha as notícias do Brasil?
Pela internet e também pelas redes sociais via meus amigos e familiares que moram em várias cidades brasileiras.
14. Gostaria de voltar ao Brasil? Por quê?
Vou voltar ao Brasil para visitar os meus familiares, amigos e o país, com certeza, quando a situação melhorar para todos. Mas desde 2018 já não moro mais no Brasil por motivos profissionais e por motivos pessoais me mudei pra Austrália.
15. Sua vida profissional mudou durante a pandemia? Como?
Sim, como sou professora em uma universidade em Macau e as aulas foram suspensas no início de fevereiro, demos aulas online desde então. O semestre terminou no fim de maio, mantivemos todos os horários e carga horária normais, mas online durante esse período de tempo. Houve pouco tempo para preparação, pois foi a primeira onda do covid-19 no mundo. Então havia bastante ansiedade do lado dos professores e dos estudantes também.
16. Sua vida afetiva (inclusive sexual, se quiser tratar disso) mudou durante a pandemia? Como?
Sim, a pandemia e o isolamento intensificaram planos que nós já tínhamos. Nunca havíamos passado tanto tempo juntos, pois eu ainda trabalhava na China. Têm sido momentos muito bons de construção e aprofundamento dos nossos vínculos em todos os sentidos.
17. Você engordou, emagreceu ou manteve o peso?
Não notei diferença significativa a respeito disso, mas com certeza estou me exercitando menos do que antes.
18. Você bebe mais ou menos durante a pandemia?
Não houve muita diferença em relação a isso.
19. O que tem feito para ocupar o tempo durante a quarentena?
Eu trabalhei online a minha carga horária normal durante todos esses meses. Como sou professora de línguas, sinto inclusive que a minha carga horária aumentou durante esse período de ensino online. Mas assisto a séries e filmes e leio.
20. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum hobby durante a pandemia?
Comecei a ouvir ainda mais podcasts, em particular sobre saúde mental.
21. Desenvolveu, voltou a praticar ou abandonou algum vício durante a pandemia?
Não, nada nesse sentido.
22. Tem realizado atividades para cuidar da saúde mental durante a pandemia?
Sim, tenho ouvido muitos podcasts, lido e tido conversas com muitas pessoas sobre isso. Também tenho saído pra me exercitar dentro das possibilidades das restrições aqui. Eu percebi o quanto ter um espaço arejado e poder pegar sol dentro de casa é importante pra mim.
23. A pandemia fez com que você mudasse seu posicionamento político?
Não, mas com certeza aprofundou muito as minhas reflexões e também fortaleceu o meu posicionamento político.
24. Se pudesse dar um conselho a você mesmo antes de entrar em quarentena, qual seria?
Valide as suas necessidades e os seus sentimentos, sempre. Como peguei o início da covid-19 na China, muitas pessoas que não estavam lá achavam que algumas coisas que eu dizia era exagero, paranoia, etc.
25. Você tem lido mais ou menos notícias durante a pandemia? Como é sua relação com o noticiário?
No começo eu lia mais. Depois percebi que tinha um limite do quanto a minha resiliência emocional conseguia aguentar, e diminuí. Venho tentando encontrar um ponto de equilíbrio.
26. Como está a questão do abastecimento de insumos no país em que você está?
Em Macau no começo tivemos alguns preços subindo fora de controle, tinha gente mandando foto de repolho custando 20 reais. Mas o governo passou a controlar rigorosamente isso. Na Austrália tivemos a corrida do papel higiênico, mas não demorou para situação se normalizar, também com restrições de quantidade de compra de certos itens.
27. Como está o relacionamento com sua família? Melhorou? Piorou?
A diferença de fuso horário às vezes complica um pouco a comunicação via chamadas, mas sempre mantemos contato. Nos falamos mais do que antes e acredito que o nosso relacionamento tenha melhorado, com melhor qualidade de comunicação.