I. O Conselho Permanente da OEA decidiu hoje (11/09), por iniciativa da Colômbia, invocar o Tratado de Assistência Recíproca (Tiar) contra a Venezuela.
II. O governo da Colômbia alega que o governo de Maduro está vinculado ao narcoterrorismo e que a Venezuela estaria abrigando, treinando e financiando os remanescentes das FARC e da ELN, o que se constituiria numa agressão àquele país.
III. A invocação do Tiar foi aprovada por 12 votos a favor, 5 abstenções e um ausência. O Brasil votou favoravelmente.
IV. A invocação, concretamente, implica a convocação o Órgão de Consulta do Tiar. Os chanceleres deverão se reunir em 2 semanas para decidir quais medidas poderão ser adotadas contra a Venezuela.
V. O Tiar é um tratado de defesa mútua, aprovado em 1947, no âmbito da OEA, na cidade do Rio de Janeiro. Se ponto central é o da “doutrina de segurança hemisférica”, segundo a qual a agressão contra um dos seus membros representa ataque a todos os países do continente, o que autorizaria uma ação conjunta contra o agressor.
VI. Assim, o parágrafo 1 do Artigo 3º estipula que “as Altas Partes Contratantes concordam em que um ataque armado, por parte de qualquer Estado, contra um Estado Americano, será considerado como um ataque contra todos os Estados Americanos, e, em conseqüência, cada uma das ditas Partes Contratantes, se compromete a ajudar a fazer frente ao ataque, no exercício do direito imanente de legítima defesa individual ou coletiva que é reconhecido pelo Artigo 51 da Carta das Nações Unidas”.
VII. O Artigo 6º prevê, ademais, que o Tiar também poderá ser invocado em caso de agressão “à soberania ou à independência política de qualquer Estado Americano”.
VIII. Observe-se que o parágrafo 4 do Artigo 3º do Tiar estipula que: “Poderão ser aplicadas as medidas de legítima defesa de que trata este Artigo, até que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tenha tomado as medidas necessárias para manter a paz e a segurança internacionais”. Ou seja, a OEA poderia tomar medidas antes de que Conselho de Segurança da ONU tome suas próprias medidas.
IX. Já em seu Artigo 8º, o Tiar determina que: “Para os efeitos deste Tratado, as medidas que o órgão de consulta acordar compreenderão uma ou mais das seguintes: a retirada dos chefes de missão; a ruptura de relações diplomáticas; a ruptura de relações consulares; a interrupção parcial ou total das relações econômicas ou das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, postais, telegráficas, telefônicas, radiotelefônicas ou radiotelegráficas, e o emprego de forças armadas”.
X. Pelo Tiar, o Órgão de Consulta terá de aprovar por dois terços dos votos dos membros quaisquer medidas contra o agressor.
XI. Embora tenha sido invocado algumas vezes pelos EUA, o Tiar nunca chegou a ser efetivamente usado.
XII. Na realidade, ele é um tratado que foi desmoralizado, em âmbito latino-americano.
XIII. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas, a Argentina quis invocá-lo, mas os EUA, defendendo o Reino Unido, vetou a reivindicação argentina.
XIV. Em 2002, citando o exemplo das Malvinas e temendo envolvimento na Guerra contra o Iraque, o México denunciou formalmente o tratado. Em 2012, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela também abandonaram o tratado, usando os mesmos argumentos do México.
XV. A invocação do vetusto e desmoralizado Tiar representa mais uma aposta do governo dos EUA na desestabilização pela força do governo Maduro. As tratativas anteriores fracassaram, mas, agora, sob o manto pretensamente multilateral e legítimo da OEA, poderiam ocorrer ações mais incisivas para promover a derrubada do governo bolivariano.
XVI. O possível uso da força na Venezuela colidiria frontalmente com os princípios constitucionais da nossa política externa, como o da solução pacífica das controvérsias e o da não-intervenção, bem como afrontaria toda a nossa tradição diplomática, que sempre apoiou as negociações pacíficas e democráticas como única forma de revolver o grave conflito interno venezuelano.
XVII. Caso a OEA aprove medidas de força contra a Venezuela, teremos o agravamento do conflito interno daquele país, o aumento do sofrimento de seu povo e o possível alastramento das tensões em todo o subcontinente, com resultados desastrosos para os interesses objetivos do Brasil na região.
XVIII. O lamentável episódio, demostra, mais uma vez, que o Brasil de Bolsonaro renunciou a quaisquer resquícios de independência e soberania, e hoje pratica uma política externa vassala dos interesses mesquinhos e belicosos da administração Trump.