Alegando dúvidas sobre a “procedência ética e legal” do fóssil do Irritator challengeri, um dinossauro que viveu há mais de 100 milhões de anos, um grupo de cientistas brasileiros lançou nesta sexta-feira (28/07) uma campanha pela repatriação do exemplar, mantido desde 1991 no Museu de História Natural de Stuttgart.
“Este é o único espécime conhecido e bem preservado desta espécie e, assim, possui valor acadêmico, educacional e museográfico”, argumentam pesquisadores brasileiros e europeus em carta aberta endereçada à ministra da Ciência, Pesquisa e Arte em Baden-Württemberg, Petra Olschowski, cuja pasta é responsável pela gestão do museu.
O grupo cita, entre outros artefatos já devolvidos pela Alemanha, o Ubirajara jubatus – outro fóssil de dinossauro envolto em suspeitas que, após uma disputa que começou em 2020, acabou restituído ao Brasil em junho deste ano e hoje está sob a guarda do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará.
Os autores da carta mencionam ainda “dúvidas sobre o status legal” de milhares de fósseis nas coleções públicas de Baden-Würtemberg e apontam a restituição desses itens, ao lado do Irritator challengeri, como um passo importante rumo a uma paleontologia mais “equitativa e ética”, pedindo a Olschowski que considere “as implicações éticas das coleções públicas alemãs que guardam quantidades consideráveis de fósseis de um país que busca ativamente proteger o seu patrimônio paleontológico por lei”.
“O caso do Irritator indica que não enfrentamos casos isolados, mas as consequências de um padrão sistêmico. Portanto, consideramos imperativo que o Ministério efetue uma revisão sistemática da proveniência e da aquisição legal dos fósseis brasileiros nas coleções do Estado, também à luz da legislação brasileira.”
A polêmica em torno da origem do Irritator challengeri
A polêmica em torno do Irritator challengeri começou com a publicação de um artigo em maio deste ano na revista especializada Palaeontologia Electronica, assinado por cinco pesquisadores alemães e franceses, que apresentava uma reconstrução do crânio do predador com base no achado pré-histórico.
Os autores mencionam o 'status possivelmente problemático' da peça, devido às incertezas sobre a legalidade de sua origem, num trecho do artigo em que discorrem sobre as considerações éticas da pesquisa.
Kabacchi/CC/Wikipedia
Irritator challengeri reconstruído com base em fóssil brasileiro mantido no Museu de História Natural de Stuttgart
Segundo eles, o fóssil chegou até o museu através de um comerciante em 1991. Este, por sua vez, teria importado o artefato para a Alemanha antes de 1990 – antes, portanto, de o governo brasileiro proibir a exportação desse tipo de item. Um decreto de 1942, nas palavras dos pesquisadores, regularia “a necessidade de permissões para a extração de espécimes, mas não sua exportação”.
Paleontólogos brasileiros reagiram com indignação ao artigo, argumentando que, pelo decreto de 1942, todos os fósseis encontrados em território brasileiro são propriedade da União e, portanto, não poderiam ser comercializados, daí a conclusão de que teriam sido contrabandeados.
A pesquisa chegou a ser temporariamente retirada do ar, e os cientistas brasileiros relataram que foi ofertado a eles, como opção conciliatória, um modelo em 3D do crânio reconstruído do predador jurássico.
Por fim, dois dos autores do estudo que desencadeou a polêmica acabaram se juntando à campanha pela devolução do artefato original.
MPF investiga caso
Acredita-se que o fóssil do Irritator challengeri tenha sido encontrado na Bacia do Araripe, entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. O local é rico em fósseis de animais e plantas que viveram há 110 milhões de anos.
Na Alemanha, o dinossauro acabou sendo batizado de Irritator devido à decepção que se seguiu à compra do fóssil, que no momento da aquisição parecia completo e bem-preservado, até análises posteriores revelarem que o artefato havia sido adulterado e partes da estrutura do crânio não eram ossos autênticos.
Segundo o G1, o caso agora está sob análise do Ministério Público Federal (MPF) e do Itamaraty. O órgão estaria investigando também, entre outros casos de fósseis sob suspeita de contrabando internacional, um conjunto de 60 peças guardadas na Alemanha.