Por que Opera Mundi faltou com a verdade?
Em sua newsletter de 22 de março, às 20h09, o site Opera Mundi divulga uma intrigante combinação: um texto sobre o crescimento de Jean-Luc Mélenchon, candidato da União Popular às presidenciais francesas, e outro texto em que Valter Pomar responde ao artigo de Markus Sokol, publicado na página três da Folha de São Paulo, no dia de 21 de março.
Nas duas matérias, sobre Mélenchon e na de Valter, falta-se com a verdade, o que não é o padrão do veículo.
Por que então essa combinação?
A guerra sempre dividiu águas no movimento operário. Os internacionalistas separaram-se definitivamente da socialdemocracia por ocasião da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, quando os seus principais partidos na Europa votaram os créditos de guerra e se alinharam com os respectivos imperialismos na guerra mortífera. Obviamente, desde o princípio, os debates apaixonaram, precipitaram, mas também revelaram.
Pois bem.
O site Opera Mundi afirma que Mélenchon cresce na eleição francesa – entre 13% e 16% conforme o instituto de pesquisa – porque há uma “divisão na extrema direita e menos candidatos no campo da esquerda”. Não é verdade.
Com um programa de “ruptura”, Mélenchon propõe, coerentemente, fundar uma Sexta República por meio de uma Assembleia Constituinte Soberana, capaz de recompor a vida do povo, revogar todas as medidas danosas da União Europeia que, em nome da austeridade, foram aplicadas e acompanhadas por décadas pelo PS e PCF nos governos, numa política de privatizações e fechamento de fábricas, demissões, redução de direitos e precarização dos serviços públicos. Isso levou esses partidos a serem desprezados por camadas crescentes do povo.
Mélenchon cresce numa situação difícil, em particular agora, porque a multiplicidade de candidatos que se apresentam como “esquerda” foi murchando ao longo da campanha. Hoje, Anne Hidalgo, do PS, está com 2% nas pesquisas e Fabien Roussel, candidato do PCF, que pela primeira vez em três eleições não apoia Mélenchon, está com 3%, na verdade dividindo votos de “esquerda”. Christiane Taubira, ex-ministra de Hollande (PS), se retirou diante do naufrágio da candidatura.
A opinião pública ainda considera “esquerda” os candidatos do Novo Partido Anticapitalista, da Luta Operária, todos com algo entre 0,5% e 1%, além dos Ecologistas com 5%. Pouco para cada um, mas que podem ser votos suficientes para tirar Mélenchon do segundo turno.
E por que murcharam os tradicionais “de esquerda” que poderiam ser competitivos? Porque todos esses, sem exceção, alinharam-se a Emmanuel Macron, presidente de turno da União Europeia, nas brutais sanções à Rússia, que atingem em cheio o povo russo. Alinharam-se às sanções que, agora, levam, segundo anunciou o próprio Macron, à carência de gás na França, para felicidade dos exportadores “made in USA” e do Catar.
E, dentre todos os candidatos, da esquerda e da direita, Mélenchon é o único que diz “Não à Guerra” de Vladimir Putin. Não é por acaso que 100 mil pessoas compareceram ao comício de 20 de março, em Paris, em que Mélenchon declarou: “Dedico esta manifestação à resistência do povo ucraniano contra a invasão russa e dedico aos russos corajosos que resistem em seu próprio país contra a guerra e contra a ditadura, simultaneamente.”
E é por isso que, sim, Mélenchon é uma candidatura que merece o apoio de todos quantos lutem contra o imperialismo, em defesa da classe trabalhadora no seu próprio país.
Reprodução/ @JLMelenchon
Na França, para Cardoni, a porcentagem de Mélenchon cresce em uma ‘situação difícil’
Sobre a “divisão da extrema direita”, há na imprensa francesa quem diga que a candidatura de Eric Zemmour foi embalada de cima para recuperar parte do eleitorado extremista decepcionado com Marine Le Pen, a extrema direita tradicional, mas desgastada, e/ou para embolar o jogo onde Mélenchon era um desafiante temido. Mas a tentativa, se existiu, ruiu quando todos apoiaram as duríssimas sanções contra a Rússia, que atingem o povo russo e se voltam contra os próprios povos da Europa, em benefício do imperialismo dos Estados Unidos, diretamente, ou via Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança guerreira que deveria ser dissolvida.
Mas talvez o site Opera Mundi tenha mais informações sobre a extrema direita francesa do que eu.
De toda forma, obliterada a verdade sobre o crescimento de Mélenchon, por que então publicar junto o artigo de Valter Pomar? Será coincidência? Não parece.
A lógica aponta para o seu centro, logo na chamada, que é um mal disfarçado apoio à guerra: “A maior parte do povo da Ucrânia é refém de uma situação, mas o governo ucraniano e seus apoiadores diretos não são reféns, são instrumentos da Otan”.
A “maior parte do povo”, o que significa isso? Existe ou não uma nação ucraniana? Putin diz que não. “Em parte”, qual parte? Uma nação ou um povo – com eventuais componentes diversas – é ou não é. Tal como uma gravidez é ou não é.
E há falta de verdade com o artigo de Markus Sokol que, em nenhum momento, diz que “o governo ucraniano é refém”, mas, sim, que “há uma nação refém, a Ucrânia”. Nação não é governo, como o governo Bolsonaro, mesmo eleito, não é o povo brasileiro, como Volodymyr Zelensky foi eleito, também depois de um golpe de Estado, por sinal.
Sim, num mundo dominado pelo imperialismo muitos governos são seus agentes, diretos ou indiretos, e podem utilizar seu próprio povo como bucha de canhão. Mas é a nação ucraniana que é refém das duas potências, Putin e Joe Biden. Como salvar o refém, senão pela democracia, isto é, pela defesa do direito à autodeterminação da Ucrânia, toda a Ucrânia, o povo ucraniano, todo o povo? O interesse do povo coincide plenamente com o interesse dos trabalhadores.
Também não é verdade que essa guerra “não é maior conflito militar no coração da Europa desde a 2ª Guerra Mundial”. Valter afirma que a “maior” seriam os 78 dias de bombardeio (pela OTAN) da Iugoslávia. Mas o conflito militar não se mede por sua duração, fosse assim a Guerra dos Cem Anos seria a maior da história humana! Mede-se pelos meios de destruição empregados, soldados em ação e mortos, mortos! No caso da invasão da Ucrânia, o segundo maior país da Europa, as operações envolvem mais de 300 mil homens em armas, com o uso de mísseis balísticos, agora inclusive hipersônicos, capazes de atingir alvos a dois mil quilômetros de distância, e uma vastíssima destruição em menos de um mês!
Concluindo, para aqueles que exigem que “se escolha um lado nessa guerra” a solução não está na defesa da autodeterminação, mas, à sua maneira, o povo ucraniano o defende em manifestações diante de soldados russos pedindo que eles “vão embora!”, “voltem para casa!”.
O texto de Valter Pomar termina não exigindo a retirada imediata e incondicional das tropas russas, o que traria o fim da guerra. Admite como quase natural sua continuidade e a extensão para outros países da Europa, o que seria uma catástrofe para os trabalhadores de todo o mundo.
(*) Edison Cardoni é diretor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CONDSEF), filiada à CUT, e militante do PT-DF.
NOTA DA REDAÇÃO: O texto de Valter Pomar é opinativo e, como outros textos do gênero publicado pelo site, não refletem necessariamente a posição de Opera Mundi. Quanto à notícia relativa à eleição francesa, Opera Mundi apresenta uma avaliação do quadro eleitoral divergente da leitura do leitor Edison Cardoni, o que não implica em falsidade nem de uma nem de outra.