O Partido Republicano é, hoje, famoso pelo seu conservadorismo, pela defesa do Estado mínimo e da redução de impostos; É também entendido como o partido WASP, que, em português, quer dizer Branco, Anglo-Saxão e Protestante.
Mas nem sempre foi assim. Em 1854, a política norte-americana, ao contrário do que acontecia no continente europeu, e na França em particular, já era concentrada em dois grandes partidos: o Democrata e o Whig.
O Democrata, nessa época, tinha uma bandeira forte: queria a manutenção da escravidão. O Whig era dividido: tinha gente abolicionista e outros que achavam que isso era uma questão menor.
Eleições nos EUA #1: Norte-americano não vota para presidente, vota para delegado
Nos anos 50 do século 19, os Estados Unidos estavam se expandindo para oeste e, em 1854, um ato criou os Estados do Kansas e do Nebraska.
Essa lei de 1854 quebrou um acordo de 1820, que dizia claramente: novos Estados localizados ao norte do Texas não poderiam adotar a escravidão. Ocorre que tanto Kansas, quanto Nebraska, ao serem criados, foram autorizados a contar com trabalho escravo. Uma ala dos Whigs, que se opunha à escravidão e ficou inconformada com a decisão, deixou o partido para fundar um novo, o Republicano.
Além da rejeição à escravidão, os republicanos defendiam uma pauta que incluía a economia de mercado, o apoio aos bancos, a construção de ferrovias e, bem diferente do que defendem hoje, queriam impostos mais altos. Sim, o partido de Donald Trump nasceu defendo um substancial aumento da carga tributária.
Os Republicanos, assim como os Whigs, tinham sua maior força no norte do país; os democratas, no Sul escravocrata.
O partido cresceu rapidamente e, já em 1860, elegeu o primeiro de seus presidentes: Abraham Lincoln, cujo nome dá nome a ruas e avenidas inclusive no Brasil e aparece com frequência nas aulas de história.
Na época da eleição de Lincoln, o norte já estava em seu processo de industrialização, e o Sul ainda dependia, em larga escala, das plantations, um esquema de produção agrícola de monocultura. E quem trabalhava nessas plantations? Os escravizados.
Mas Lincoln queria o fim da escravidão em todo o país.
Os estados do Sul não gostaram, montaram uma coalizão de 11 Estados para tentar a secessão: os Estados Confederados da América. O Norte, então, resolveu lutar pela manutenção da unidade do país, no que ficou conhecido como a Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão. Estima-se que 1 milhão de pessoas morreu em consequência do conflito, um número enorme para a época (cerca de 3% da população do país).
O resultado da guerra: vitória do Norte e abolição da escravatura em todo o país. Lincoln foi assassinado em 1865, dias depois do fim da guerra e, em 1866, o partido Republicano passou a primeira lei de direitos civis do país, igualando os direitos de negros e brancos.
A guerra, no entanto, contribuiu para mudar para pior o partido vitorioso. É que muita gente no Norte lucrou com o conflito. Empoderados com o dinheiro acumulado no fornecimento de equipamentos para o Exército vitorioso, os ricos industriais do Norte formaram um verdadeiro “baronato” dentro do Partido Republicano. Em defesa de seus interesses e da relação privilegiada que estabeleceram com o Estado, essa burguesia empoderada usou o capital acumulado para apitar mais e mais dentro do partido. E as prioridades mudaram: em vez de mudar o país, manter as condições de acumulação.
Com o passar dos anos, a influência dos industriais só aumentou. Em 1929, no entanto, durante um governo republicano, o impensável aconteceu: a Bolsa de Nova York quebrou e derrubou a economia norte-americana. Na eleição seguinte, em 1932, Franklin Roosevelt, um democrata, propõe o New Deal, que era um plano de pesada intervenção do Estado na economia. Ele vence a eleição e impede a reeleição do então presidente ultraliberal Herbert Hoover, que acreditava que o mercado sozinho ia regenerar a economia dos Estados Unidos.
Roosevelt foi reeleito três vezes e ficou no cargo até morrer, em 1945. Nesse período, que incluiu a Segunda Guerra Mundial, os republicanos se colocaram contra o New Deal e passaram a defender o estado mínimo, com pouca intervenção do governo na economia. A política de Roosevelt, que ousou combater os interesses e as ideias do baronato republicano, levou a uma profunda mudança no Partido.
Os republicanos amargaram, então, um longo período longe da Casa Branca. Só em 1953, 20 anos depois da posse de Roosevelt, voltaram ao poder com Dwight Eisenhower, general que comandou a campanha aliada na Europa durante a Segunda Guerra Mundial.
Ike, como era chamado, era um feroz anticomunista, e o Partido Republicano ficava cada vez mais conservador. É dessa época a campanha de perseguição a intelectuais e artistas progressistas pelo senador republicano Joseph McCarthy e da ascensão de Ronald Reagan, um galã de Hollywood que serviu como garoto-propaganda dos reacionários e conservadores, sendo um campeão na luta contra a saúde pública e contra ações igualitárias por parte do Estado.
Os movimentos pelos direitos civis do final da década levaram o partido cada vez mais para a direita. Em 1964, o então presidente democrata Lyndon Johnson aprovou uma nova lei de direitos civis, proibindo a discriminação com base em gênero, raça, sexo, religião ou origem. Na oposição, o partido Republicano adotava posições cada vez mais antipopulares.
Em 1964, o partido escolheu o senador ultraconservador Barry Goldwater para disputar a eleição contra Lyndon Johnson. Goldwater concorria defendendo o estado mínimo, em oposição ao New Deal, e uma política externa focada no anticomunismo. Perdeu em 44 Estados e no Distrito de Columbia, e ganhou a eleição em apenas seis: Louisiana, Mississippi, Alabama, Arizona, Geórgia e Carolina do Sul. Foram os votos dos brancos que deram a vitória a Goldwater nestes Estados.
Na eleição seguinte, em 1968, o republicano Richard Nixon se tornou presidente, mas a maioria dos Estados que Goldwater havia vencido em 1964 foi para um candidato independente, George Wallace, um segregacionista convicto.
A partir de 1972, com exceção da eleição de 1976, o voto conservador branco destes Estados do Sul começa a ir sistematicamente para os republicanos, que, por sua vez, defendem cada vez mais o conservadorismo nos costumes.
Esta postura é abraçada de vez pelo partido com a eleição de Reagan em 1980, um defensor ferrenho do estado mínimo e da família tradicional.
É com Reagan que o conservadorismo do partido – aquele, da época de Barry Goldwater – chega ao poder e se estabelece. Anticomunista feroz, é, até hoje, idolatrado pelos neoliberais como modelo. Em 1984, o presidente foi reeleito com o maior número de votos eleitorais da história, derrotando de maneira humilhante o democrata Walter Mondale, ex-vice de Jimmy Carter (1977-1981).
Em 1988, o então vice de Reagan, George Bush pai, concorre à eleição presidencial e vence. Mas alas mais conservadoras dos republicanos viam Bush com desconfiança. Esse foi um dos motivos que levou o então vice a prometer que não criaria novos impostos durante seu governo, em uma frase que ficou famosa: read my lips, no new taxes (leia meus lábios, sem impostos novos).
Essa frase veio caçar Bush quatro anos depois, na tentativa de reeleição: uma hora, o governo precisou de caixa e Bush teve que criar impostos novos. Mesmo a campanha militar na Guerra do Golfo não foi suficiente para garantir mais quatro anos dos republicanos no poder. O já idoso presidente de 68 anos perdeu a eleição (por muito) para um então quase desconhecido governador 20 anos mais novo: Bill Clinton.
O partido só volta ao poder em 2001, ao ganhar uma contestada eleição contra o vice de Clinton (vamos falar sobre isso em outro vídeo). E o responsável pelo retorno à Casa Branca foi o filho de Bush: o então governador do Texas, George W. Bush.
É no governo Bush filho que a retórica anti-imigração e de guerra ao terror ganha ainda mais força, em especial após os atentados de 11 de setembro de 2001. Os ensinamentos de Reagan continuavam sendo seguidos à risca: base de eleitores brancos e conservadores, governo defensor do estado mínimo, anti-imigração e um forte apelo militar.
Depois de oito anos de Bush filho, os democratas ganham novamente a eleição e, durante dois mandatos, os EUA são governados, pela primeira vez, por um presidente negro – Barack Obama.
Mas, em 9 de novembro de 2016, o mundo acordou em choque: contrariando todos as pesquisas, o empresário republicano Donald Trump ganhou a eleição em cima de Hillary Clinton com votos em massa de eleitores brancos e sem escolaridade, normalmente trabalhadores de fábricas, muitos inconformados com políticas do presidente Obama que, segundo Trump, levaram vários dos empregos destes eleitores para fora do país.
A vitória se explica por algumas razões. Trump concentrou sua campanha nos chamados swing states, que votam ora em democratas, ora em republicanos – e ganhou praticamente em todos. Às vésperas da votação, Trump chegou a fazer campanha em todos eles no mesmo dia. Outra explicação é o uso intenso de fake news – uma delas, por exemplo, dizia que Hillary Clinton estava envolvida em um esquema de pedofilia dentro de uma pizzaria em Washington.
Com Trump, o partido marchou ainda mais para a extrema-direita. Ele elogiou supremacistas brancos, baniu a entrada de cidadãos de países muçulmanos, prometeu construir um muro com o México – isso depois de chamar os mexicanos de estupradores -, fez uma reforma tributária que privilegiou os ricos… enfim, a lista é longa.
E esse é o partido Republicano de hoje. A cartilha Reagan, que ia contra quase tudo o que os fundadores do partido defendiam, hoje é mainstream. E, agora, com um toque de extremismo.