O compositor carioca Nelson Cavaquinho disse um dia que ele era um homem que sempre viveu muito perto da fatalidade. A morte estava nos seus sambas, nas suas andanças pelos subúrbios cariocas, como parte da obra, parte da vida, no entanto ele queria, ele precisava viver. Nelson forjou suas crias em forma de composição, entre excessos e intervalos para criar. No limite da vida que flerta com a morte.
“Eu vivo triste, só, tão desgostoso / Mas acho meu viver tão precioso”
Na Favela do Canão, zona sul de São Paulo, Mauro Mateus dos Santos cresceu e se criou, na birra, teimoso e sensível, em algum momento, depois de rimas e dribles à morte, a alcunha Sabotage foi usada para que ele se apresentasse ao mundo. Mauro se virou como pôde para mesclar a sensibilidade e o atrevimento, o carisma e o legado maldito da pobreza e da segregação, a insistência como única saída.
“Estou decidido a lutar contra essa merda / É comigo sim, não estou perdido”
Versos e rimas arranhados, violão levado na ponta do dedo, batidas e melodias que parecem prontas, algumas estão de verdade prontas, jogadas pelo mundo, para que caras como Nelson e Mateus Sabotage colham para replantar em formas outras, as suas canções como legado. Não, não é um conto de fadas, não é essa mumunha do “Brasil que resiste” lírico e lindo. Tudo custa sangue, custa vida, custa um flerte constante com a morte, o samba, o rap, muitas vezes custam vidas.
É o país que criou Nelson e Sabotage que faz a gente criar ânimo para enfrentar a barbárie e as porradas que chegam de todo lado. É o ponta de lança africano para romper a zaga flácida e fascista do reino da maldade. A arte que não é arte pela arte, que que não acomoda, nem faz conluio com gente inimiga.
“Muita gente tem o corpo tão bonito / Mas tem a alma toda tatuada”
“Quem fez não quer ser réu, se esconde pra não aglomerar / Porque é o remédio dessa fé que não pode acabar”
Então, não é barato, não é a arte que sai da pobreza (da sociologia vulgar, dos esteticismos se outras miudezas), é caro demais, custa vida, custa sangue, custa sentenças, custa abandonos. Nelson e Mateus Sabotage flertaram com a morte para criar as melodias, as rimas, os ritmos, tudo talhado nas caminhadas por ruas tortas e mal traçadas. Não é barato não.
“Sou Sabotage sem maldade eu deixo um salve / Um terror alta voltagem, é pode crer/ Só vaidade na maldade vou levando um salve / Aí, terror alta voltagem, aqui Sabotage”
“Não vivi em vão / Fiz tantos amigos / Muito irmão / Nem mesmo a mágoa / Pôde calar meu violão”
Sim, é potência sim, mas é duro de atingir, não é de graça, não é coisa para contemplativos, não é coisa pra resolver em portas fechadas, é mundo aberto, é favela, é dificuldade de ir e vir, são as excludências das cidades fechadas que talham esses gritos da poesia.
Nelson Cavaquinho e Mateus, o Sabotage, não podem ficar apenas como conforto do meu domingo, eles chamam à luta. Não se restringe à comparação poética, é de verdade um chamado, inspiração para respeitar o país que vivemos e virar o jogo.
Salve Nelson Cavaquinho e Mateus, o Sabotage.